30 de janeiro de 2012

Pensa... Pensar não é doença

Ao homem pede-se que seja homem, que seja forte, que seja capaz, que consiga tomar conta do seu destino, do seu caminho, e homens há a quem é pedido que tomem conta dos destinos dos outros homens...
Por destino entende-se o "poder superior à vontade do homem e que se supõe fixar de maneira irrevogável o curso dos acontecimentos, uma qualquer fatalidade ou até mesmo a real sucessão de factos que constituem a vida de alguém; factos esses que são independentes da sua vontade."
Quanto ao destino propriamente dito, ao homem restam-lhe apenas duas opções, ou acredita nele ou ignora-o.
Somos, ou gostamos de pensar que somos, verdadeiramente responsáveis por tudo aquilo que fazemos... E regra geral, deixamos para o destino, a responsabilidade directa por tudo aquilo que se possa passar, que na verdade fuja directamente ao nosso controle.
Ao destino ou a Deus.
A vida é por isso um caminho incerto, indefinido, desconhecido e capaz de nos surpreender a cada novo amanhecer.
Tantas vezes me encontro a questionar-me sobre o que acontece, o que passa, o que vem, o que vai, o que fica, o que parte, o que tenho e tudo o que perdi...
E tantas outras percebo que o que vem, o que vai, o que parte e o que fica, mais não é que parte de mim.
Não sei ao certo se vale a pena pensar assim.
Não sei ao certo, hoje, quem é o Martim.
Sei que é qualquer coisa, assim, assim.
Sobretudo tenho percebido os porquês que advém das imagens que vejo, dos cheiros que ainda guardo, das palavras que não digo, das noites que não durmo, das vezes que não como.
Sou tanto, vindo de não sei onde e caminho para um não sei bem o quê, mas nas viagens de ida e volta aprendo que a subsistência da mente assenta na lucidez do que se sente.
Tantas e tantas vezes se oprime o pensamento livre e desarmado que se acaba por aprisionar o seu mais belo soldado, o pensar por si só.
E o que se ganha quando isso é feito?
Nem tão pouco admiração, nem tão pouco respeito.
Ganha-se sim o peso do mundo em cima do peito.
Somos seres de pensamentos e os pensamentos são talvez a maior arma do homem, aquele a quem se pede que seja homem, que seja forte, que seja capaz, que consiga tomar conta do seu destino, do seu caminho, e que nunca se esqueça daquilo que até aqui o traz.
Pensar é banal, é fácil, é simples, para muitos, em especial para aqueles que não pensam e pensam que pensam.
Se pensar é fácil, é porque tudo o que pensamos nos aparece traduzido por quanto maior é o vocabulário que temos.
Às vezes gostava de nunca ter estudado, para que pensar não fosse dor e fosse somente reflexo.
Viver é tão mais complexo.
Pensar em mim não é reflexo, é a tarefa maior a que me proponho no dia, é o sossego melhor que me chega pela noite já fria, é o planear e traçar o que virá amanhã, deixando o espaço fiel ao imprevisto que assola a vida mundana.
Vidas curtas, amigos tantos, noites longas de solidão.
Li hoje que "(...) o tempo não passa pela amizade, mas a amizade passa pelo tempo. (...) Somos amigos para sempre, mas entre o dia de ficarmos amigos e o dia de morrermos vai uma distância tão grande como a vida." 
Como não pensar na vida, quando a vida passa a vida a pensar em nós!?
Como não fazer do pensar uma prática quotidiana, quando o dia-a-dia nos desafia, sem sombra, sem cor, sem cheiro nem voz.
No grito amordaçado viverá sempre o pensamento aprisionado, é esse o quadro que queres ver pintado?
Não me parece que tenhas sequer nisso pensado.
Por isso, continua.
Eu fico aqui sentado. 



23 de janeiro de 2012

Amigos... De ontem... e de sempre

Guardamos muitas memórias da infância, algumas, guardamos de tal maneira que nunca mais conseguimos recuperá-las, nunca mais conseguimos encontrá-las nesta autêntica gaveta atafulhada que é o nosso cérebro.
Creio que sobretudo, guardamos pessoas.
Da minha infância, dos meus tempos de meninice da escola guardo mais, pessoas, e na verdade, de todo esse período, guardo-te especialmente a ti.
E guardo-te a ti porquê?
Primeiro porque foi talvez o nome que mais repeti nessa fase, da infância à adolescência.
Foi sem dúvida contigo que mais tempo passei, que mais conversei, que mais brinquei, de quem mais gostei, com quem mais sonhei, a quem mais desejei, mas desejei na meninice da coisa.
Queria andar contigo de mão dada, e andava, queria passear contigo à beira-estrada, e passeava, queria ver a tua cara quando acordavas, e graças à D. Emília, via...
Foi assim a passagem da infância para a adolescência, passada a teu lado, com a tua mão na minha.
E agora, sabes o que é mais engraçado no meio de tudo isto?
Perceber que te conheço há 20 anos.
Perceber que te adoro há 20 anos.
Perceber que nos últimos 10 estivemos mais afastados, mas que nem a distância, nem os mares, os céus ou as noites frias, resfriaram a adoração que te tenho.
E hoje estás no Brasil.
Sim, sei que voltas.
Sim, sei que não falta tanto assim.
Sim, sei que é só um Oceano.
Mas mesmo assim, quero que saibas sempre e para sempre o quão importante és tu para mim, o quão deliciosa será sempre a história da "Pipas" e do Martim...
O nome em si diz-me tanto.
O teu nome ainda sei de cor, querida Ana Filipa Ferreira Castanhinha.
No fundo, tudo isto que te digo mais não é que um manifesto de adoração e de lembrança.
Uma declaração memorável feita de memória e dirigida somente a mim e a ti.
Recordo-me tão bem da vista do teu quarto.
Da janela virada para as árvores, virada para a escola, do quarto dessa janela, da cama onde te ia acordar e da cozinha onde lanchávamos.
Que giro lembrar agora tudo isto.
E que bonito é ter uma amizade tão grande, sendo a grandeza directamente proporcional ao carinho que temos um pelo outro.
E as tardes na Igreja, (salvo seja) os domingos de Missa, a risada, a constante risada em todo o lado.
Tantos anos tem a vida e quantas vidas temos nós?
Sei que nesta minha querida, nesta linda e bela vida, não há como me esquecer de ti.
Do sorriso rasgado e sincero, meigo e tão, mas tão bonito, este:



Assim te lembro e vou lembrar por quantos anos cá andar.
Assim te adoro e vou adorar.
Assim, ou nem sempre assim, mesmo não sorrindo, o teu rosto será lindo.
Mas certo é que na minha memória estará sempre presente, a memória da "vida dá gentji"... puxando um pouco ao como ouves as coisas agora.
Beijinhos, muitos, ontem, hoje e pela vida fora.
Sempre juntos,
Martim


De que tamanho sou?

Porque chega a altura em que tens de parar.
Chega a altura em que não deves lutar.
Chega a altura em que deixas respirar e deixas de tentar.
Chega a altura, em que o que vês é do tamanho de tão pouco, talvez do tamanho da tua altura.
Chega o tempo de não haver alento.
Chega o tempo de pensar distante.
Chega o tempo de ser indiferente.
Chega o tempo de falar para dentro.
Chega o tempo de não falar sequer.
Chega a hora de olhar para cima.
Chega a hora de não olhar de todo.
Chega a hora de ir embora, sem saber se dentro, sem saber se fora.
E quando chega tudo isto?
E quando chegar será que resisto?
E quando chegar é aí que desisto?
E quando chegar é sinal que existo?
Ou quando chegar é porque está mais que visto que não existo e aí se responde à primeira questão, se existo ou não.
Vivo a vida dos vivos pensando que estou vivo também.
Mas ao viver a vida como os outros deixo de ser o que sou, para passar a ser um simples alguém? Posso fazer esta pergunta? Posso fazê-la a quem?
Já vi o que tinha a ver nas margens desse rio.
Já passei todas as noites que há, sentado e gelado de frio.
Já não sei mais como olhar para o que ali está. Já não sei bem dizer o que falta ao meu olhar.
Já não sei se sei sequer o que estou a dizer.
Sei que é nos olhos que reside a razão do SER.
Se sou, posso não estar.
Se estou, posso não ser.
Não preciso de ser para estar ou de estar para ser.
Preciso é de ver.
Abraço-me à noite fria com todas as forças e sem cobertores.
É gelado que acordo e o dia não traz de volta as vozes dos senhores.
Quem sabe o que vai por aí para eu encontrar.
Espero sossegado que o dia brilhe sem razões de maior.
Porquê?
Porque ao sol se pede que brilhe e que aqueça as almas, sem esforço, sem objectivo aparente, ao Sol não se pede muito, não se pede que trabalhe horas a mais, ou horas a menos, ao Sol pede-se apenas que cumpra a sua função, que aqueça a alma do homem, bem como o seu coração.
E é pedir muito a algo tão poderoso?
Não.
É pedir-lhe que seja justo, leal e bondoso.
Não é caridade que faz ao aquecer quem o olha.
É sim pedir o favor de não deixar vir a chuva que molha.
E assim fujo ao eu tortuoso que teima em não se deitar.
São horas palerma, já mais do que horas para me poderes largar.
Vivendo a vida o homem aprende a crescer.
É com sol e com chuva que terá de o fazer.
Porque ser homem é bem mais do que deitar e acordar.
Ser homem é seguir o caminho que te leva e te traz de um para outro lugar.
É ser melhor e maior a cada novo pensar.
Levanta-te homem que é hora de começares a viver.
Tens a vida lá fora que grita e te pede para ver.
Onde vais? Mas onde é que pensas que vais, se é que pensas que vais?
Volta aqui que ainda não acabei.
A vida é tão longa e eu meu filho, Eu ainda agora comecei!

20 de janeiro de 2012

Dá a mão a mim. Não foi sempre assim?

Leve e leviana é a pena, que reclama para si a mesma sagacidade dos mestres de espada em riste, sem saber de resto o que existe e deixa a alma serena.
Mas a poesia da vida é bem mais do que a intenção de brincar com as palavras, do que a dedicação às histórias passadas, do que sonhos em luares de cristal.
Os confrontos aparecem-me com a regularidade de um qualquer "bom dia".
As provações sucedem-se à velocidade assustadora dos irreflectidos pestanejares, que à razão de 16 horas de olho aberto num dia, se aproximam dos 11500 piscares de olhos, é muita fruta e acima de tudo são provas a mais para uma pessoa só.
O sono foi-se novamente.
Fico sozinho, mas nunca indiferente ao que pensa a gente da gente que pensa por Ela.
Ao que pensa a gente, da gente que se vê da janela.
E é assim uma vista tão bela?
Não sei mais o que fazer.
Não sei de verdade.
Quero saber a idade da felicidade que insiste em me abandonar.
Quero saber a cidade, para onde esta se foi instalar.
Não há na vida mais nada, que a luz escura da noite cerrada, encantando os bosques da tristeza.
Não será por amor ou surpresa, que se mantém a vida acesa, apegada a aparas de cera.
São velas que apontam o caminho, o meu faz-se caminhando e sozinho, é noite, está frio e estou só, e de mim que ninguém tenha dó.
Levanto-me já cada vez menos, porque caminho já meio sem saber, erguido por pernas que tais, que tornam os meus passos banais, mostrando-me já cada vez menos.
Será que somos quem seremos?
Basta os olhos levantar, basta o beijo de um olhar, para poder alcançar tudo o que não tenho, e por entre os dedos frágeis deixo escorregar.
Não sei o que mais hei-de tentar, não sei com quem mais falar, não vejo, nem tão pouco consigo pensar, para onde me estás tu a levar?
Há dias em que quero acreditar, que um dia vais tu pensar, que tudo não chegou a passar de um capricho entregue ao teu tentar.
Não vejo o dia a chegar, não quero nem o posso forçar.
É tempo de ver o tempo que tenho.
Hummm, restam-me anos e anos de EXISTIR, não sabendo o que está para vir e não fazendo a mais pequena ideia do que está para me calhar. E a ti? E de ti? O que posso eu esperar?
Não sabes?
Não saber é fácil. Não saber é tão mais fácil.
Não saber é simples.
Não saber é... exactamente isso, não saber, nem de perto nem de longe se aproxima do NÃO QUERER SABER! 
Conceitos forçosamente distintos, mas ambos ávidos e famintos de resposta.
Tens uma? Tens mais do que uma?! Certíssimo. Ora então, podes começar a falar.
Dizes que não tens nada a explicar!? Que cómoda a expressão no teu olhar e eu sem conseguir sequer pensar.
Não sei mais o que hei-de inventar se à mente apenas me chegas em forma de sorrisos e alegria perene.
Se me olhas como pessoas que olham os quadros que querem entender e não conseguem, se me falas, não te calas, se ao dormir te deitas e pensas que sabes que sabes, mas no fundo talvez não saibas de todo, será este o mundo em que vivo? 
Será este o tempo, do Eu, Tu, Nós, Vós e Eles, e ainda os outros todos?
Para onde partem os olhos que olham para mim?
Para onde voam os sorrisos que sorriem assim?
Na dor se descobre calor em noites de Inverno.
Na flor se encostam os sonhos de um tempo mais que perfeito.
E a chuva que olha e não molha e sabe que sim, que o nome da rosa é em prosa e não em ouro ou marfim, que o pátio está molhado, o chão foi lavado com o suor do que sinto por ti. 
É tua a alma que se encosta em mim, estranho e confuso me deito, e sinto a tua mão no meu peito, e lá tento adormecer por fim.
Maria, Francisca, Joana, Afonso, Miguel e Inês, nomes do jeito que gostas, queres que os diga outra vez?
Digo o que sinto e estou preso, ao um, ao dois e ao três, mas não deixo nunca de dizer, que o amar soa tão melhor em português.
Sei que paras para pensar, se foi aqui que de facto quiseste chegar...
Direi o que tiver de dizer, só para te fazer perceber, que de facto estás a errar, mas quem sou eu afinal, porque falo eu destas coisas? O que me faz não deixar de acreditar?
Sei bem onde quero eu chegar.
Mas deixa-me
Mantenho-me imóvel. Assim talvez doa de uma forma mais ligeira.
Já sei onde queria chegar.
Parava para te aconselhar e dizia...
Sei o que a vida te está a tentar mostrar, não sei se sabes sequer o caminho que deves tu tomar, para poderes por fim encontrar o teu pedaço de firme chão.
Fecha os olhos.
Não tenhas medo. Eu estou aqui.  Estou sempre aqui. Para onde poderia eu ter ido?
Dá a mão a mim. Não foi sempre assim?
Foi e haverá de ser.
Porque a vida tem tanto para ver.
Porque não hei-de eu querer acordar?
Só quero poder caminhar, não só, mas por ti acompanhado.
Perdido mas contigo ao lado, sonhando um dia de cada vez.
É bonito e até um pouco burguês.
Mas não importa, é de facto como digo, tem bem mais encanto em português, será essa a língua que Deus fez, para que eu queira, e volte a querer, uma e outra e mais uma vez?

19 de janeiro de 2012

30 ANOS... Farias e fazes tu

30 anos.
Hoje assinala-se o 30º aniversário do teu nascimento meu amigo.
Mesmo sabendo que não o cumpres entre todos os que te amam, te adoram, os que sentem a tua falta, os que tiveram a felicidade de acompanhar os 21 que cumpriste neste mundo, vão hoje, uma vez mais, reunir-se para assinalar simbolicamente o dia em que cumpririas os teus 30 anos.
E que festa que seria hoje...
Que festa.
É um dia estranho sabes!?
É um dia em que vem à mente tanta coisa, em que tanta coisa lhe foge, em que tanto se recorda e transborda aos olhos a maior das sensações nostálgicas, a SAUDADE.
Entorpecem-se os dedos, manietados por um sentimento doloroso, sim, é ainda doloroso pensar em tudo e no nada que se seguiu ao dia em que o teu espírito partiu.
E já passaram 8 anos, 8 anos!!!!
É tanto tempo e é um tempo sem tempo, e que nem o tempo que lhe falta lhe traz o que ele não tem.
É um tempo que se funde com a lembrança e com o esquecimento.
Sou honesto e digo-te hoje que nem todos os dias me lembro de ti.
Nem todos os dias me lembro das coisas que a teu lado vivi, logo eu que jurei que nunca iria esquecer.
Quem me pode culpar a mim, amigo, se levo a vida a viver, e tantas vezes de ti, de mim, do mundo me acabo por esquecer?!
Ficam para sempre todas as recordações, as lembranças, os teus olhos, bolas, que força tinham os teus olhos, que carregavam tantas vezes os teus sonhos, os teus medos, as tuas fraquezas e os teus segredos.
Penso que é primeira vez que conscientemente te escrevo e te trago de volta ao meu imaginário, que tento perpetuar uma lembrança feliz, num tempo que não o é tanto assim.
Tinha tantas coisas para te contar, mas tantas!!
Mas continuo sem saber como te falar, não te posso escrever, não te posso ligar, nem um mail sequer consigo enviar.. Esse sítio para onde foste é uma bela merda, isso sim!
Espero que te conforte saberes que, hoje, uma vez mais, nos vamos todos juntar no Manel para te honrarmos e celebrarmos a tua pessoa que não foge de dentro de nós, de dentro de quem, tantos anos depois continua a relembrar-te com todo o carinho que nos mereces.
Um dia voltaremos a conversar meu amigo.
Deixámos toda uma vida de conversas a meio, ou mesmo por começar, não sei Belé, não sei como escrever, não sei como te falar, não sei como te ver, nem como me lembrar, não sei mais nada!
Só sei que o que sabia e deixei de saber, se transformou em letargia crua, em sensação de nada com recheio de coisa nenhuma.
Estarei eu perdido de todo? Terei eu bebido do teu VNENO?
Estarás tu zangado?
Sentir-te-ás tu ignorado? Desprezado? Abandonado?
Estarás tu em todos nós, em todo o lado?
Não sei meu amigo.
Acredito que és maior que muitos do que cá ficaram, que nada disseram, nada fizeram, não ajudaram, não sentiram, não olharam.
Acima de tudo quero terminar este acumular de confusão literária, com o mais importante neste teu dia.
Parabéns meu querido irmão!
Muitos Parabéns.

Miguel Ângelo Nascimento Henriques - 1982-2003



16 de janeiro de 2012

Esquecer.. Como fazer? O Miguel ajuda!

"Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?
As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz?
Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar.
Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre.
Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas!
É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar.
A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência.
O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada.
Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste.
Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos.
Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se.
Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo.
Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma.
A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.
É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo.
É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si, isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.
Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção.
Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha.
Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.
O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar."
Diz tudo isto um grande navegador literário, um homem que escreve com a violência própria de quem sabe do que fala, Miguel Esteves Cardoso.
Miguel, permita-me desde já que o trate por tu, porque sem dúvida que vem facilitar todo o sistema de comunicação.
Ora dizia eu, Miguel, que este texto que humilde e tão descaradamente retirei de um qualquer lado de uma rede social, é na verdade, bastante verdadeiro, cru, sincero, e traduz na imediata sensação ocular uma felicidade enorme, na medida em que há um sentimento de pertença a uma dor, possibilita-me de facto abrir a janela da cave e ver para além dos pés dos outros.
Na verdade Miguel, o sofrimento desgosto e penoso de quem sofre e quer esquecer é tanto maior quanto maior é o AMOR que se guarda no peito.
E o que dizes tu quando alguém não quer esquecer?
Não quer deixar de amar!?
Não quer deixar de sentir saudades!?
Não quer aceitar que acabou!?
De facto tudo o que atrás referiste é pertinente e tão clichezado que se torna incontornável.
Dizem-nos sempre: "Ai homem, tens é que te divertir, tens é de sair e pensar que, às vezes, fecha-se uma porta e abre-se uma janela."
Mas isto não é tão simples quanto isto.
E te digo Miguel, que mesmo no final do teu pensar, há algo que me deixa a divagar, isto é, sugeres que "(...) se deixe correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar."
Miguel, o que fazer se o coração não se cansar de todo? O que deve o homem fazer para por o coração a fazer gelo, a ver se lhe passa o hematoma?
Haverá algum problema em ficarmos com alguém para sempre dentro de nós?
Consegues aclarar a imagética?
De facto há ensinamentos que advêm dessa experiência traumática.
Aprendemos sobretudo uma coisa, única e fundamental.
Somos quem somos.
Somos o que vivemos, o que amamos e o que sofremos.
E somos com toda a certeza bem mais, depois de passarmos pelo túnel de escuridão e penúria que passa quem é forçado a esquecer, ou quem tem esse desejo, ou quem simplesmente fica órfão de um sentimento desproporcional à proporção de homem que tem em si.
No masculino porque sou um deles.
E porque não sei como sofre uma mulher.
Sei como se ama uma mulher.
Sei como se recorda.
Sei como se sonha.
Sei como se nega toda a vontade de querer tudo o que sei.
Mas não sei se quero saber mais do que aquilo que sei e aprendi.
Talvez me reste apenas acatar o teu último dito, "esperar que o coração se canse".
Obrigado Miguel, de qualquer forma é sempre um prazer ler da fúria dos teus dedos!
É sempre um prazer saber o que pensas e pensar no que sabes.



SAUDADE, saudade... digo eu!

E foi mesmo assim como tinha de ser.
Agora? Recordo.
Recordo-me das manhãs, das tardes e do final dos dias.
Recordo-me do acordar, do deitar e das noites frias.
Recordo-me dos passeios.
Eu do lado de fora, junto à estrada, tu do lado de dentro junto ao que de mais próximo por lá houvesse. Porquê?
Porque é mesmo assim quando tem de ser.
Porque era a minha maneira simples de te proteger.
Se o carro viesse, acertava em mim primeiro, lembras-te?
Digo-te isto assim baixinho, falando com jeitinho, sabendo que não ouves já tão bem, que o som te soa distante e se torna mesmo incompreensível, aí, viras a cabeça para perto dos sons mais perto.
Não te censuro, é mais... perto e real, não é?
Gosto de te lembrar. Sabe bem no pensamento, traz aos olhos um sorriso de menino, ou um esgar de traquinice.
São as noites o meu capuz, nelas se protegem as saudades do que agora é disperso e distante, nelas se libertam as memórias de um passado fresco com cheiro de primavera.
As relações entre homens e mulheres são, certamente, um dos pontos mais altos da vida humana.
Dividir a vida com alguém, toda a vida, é algo de uma nobreza e coragem tremendas.
É TUDO, sempre, durante, ao longo de, e é assim que tem de ser.
Só assim se pode almejar o alcance difícil e complicado da felicidade plena, e mesmo esta, está dividida por camadas invisivelmente delimitadas, com fronteiras não especificadas e que são facilmente confundidas por estados de alma que têm tanto de sedutores como de enganadores.
É, no entanto, uma experiência e tanto, uma daquelas que certamente vamos querer contar aos netos, se um dias os chegarmos a ter.
O HOMEM É LEMBRANÇA!
É uma das mais belas palavras que a língua portuguesa um dia gerou.
Uma palavra que tem tanto de bela e poderosa, como tem também a capacidade de nos transportar para imagens que trazem ALEGRIA aos olhos e à boca, boca essa que sorri desavergonhadamente.
SAUDADE! SAUDADE, digo eu!
Soa tão bem ao ouvido, aos olhos, (isto considerando a enormidade de vezes que a palavra saudade é utilizada por vias não orais) à boca, a todos os músculos e sensores do corpo que são activados pela romanesca, positiva e explosiva sensação que afoga o cérebro em prazeres imagéticos e sensoriais, automaticamente retribuídos em doses industriais de Adrenalina!
Somos matéria, órgãos, sensores, conexões, ligações, sinapses nervosas, lembranças, sonhos, desejos, instintos, alegrias, tristezas, ilusões, fantasias, desilusões, sofrimento, regeneração e reinvenção.
Somos tudo o que dizemos, o que fazemos, o que comemos, o que amamos e detestamos, o que acertamos e erramos, o que perdemos e o que ganhamos.
Quem sou eu hoje afinal?
Onde me deixei que agora de repente não estou a ver?!
Onde me posso eu ter separado de mim?!
Se usasses a cabeça para te situares e não para escrever parvoíces...
E tu?
Quando é que deixaste de me ver?
Onde me deixaste tu também?
"Parto rumo à primavera..." (Obrigado Manuel Cruz, ex-Ornatos Violeta) e caminho em direcção a sei lá o quê, na mesma rua do... "lá para a frente. Olha o que tiver de ser, será, e o que é teu às tuas mãos virá para...".
E é assim que se vai.
Dormias sempre pertinho e com frio, tapada até aos cabelinhos que aos meus olhos brilhavam no breu da noite.
Sabes do que sinto falta? De te fazer sorrir só de olhar... para ti!
Agora, recordo!
Recordar é sorrir e é também, perdoem-me a ousadia, sinal de consciência tranquila.
Mais não sei, e mais não sabia.
O conhecimento vem depois, vem sempre depois.
E tudo isto se passa à noite, debaixo do capuz que protege a saudade.
Tudo se passa de noite, depois do postulado de libertinagem que a mente me concede, uma espécie de biscoito com que se treinam e premeiam os canídeos.
A noite é sempre bela e hoje também serena.
Porque não há-de ter interesse a versão do viajante do caminho longo e sinuoso da mágoa e da derrota, do desalento e da incredulidade, tempo durante o qual o tempo parece pesar tanto quanto a ponte que une as duas margens da cidade, carregada com as vidas de todos os que a atravessam.
Porque não?
É um tempo triste, tão triste quanto a dimensão do que se perde na estrada de um tempo que não capta o que deve, no tempo em que devia, fica perdido e não sabe como regressar, não sabe o caminho de volta mas percebe o tempo a esgotar.
Está perdido e não avança, saltita, qual folha que da árvore que se solta e acaba a brincadeira no chão.
Da vida pouco se sabe até se viver.
Ouves aqui e ali e só as lembras (lá está, sempre a memória) quando as compreendes na totalidade, geralmente num pós qualquer merda, que também não interessa.
A vida de quem nos rodeia não ajuda mesmo quando tenta.
O que é teu para ti está guardado, podes preparar os ouvidos, mas nem mesmo esses te vão servir se os teus olhos não quiserem ver.
Por isso, recordo.
Agora recordo, e aos olhos, faço o que me apetecer!




15 de janeiro de 2012

"Para ti, Campeão!"... De ti, Campeã!

A Ana Maltez é sem dúvida uma das pessoas mais bravas, queridas, fortes, duras, doces que conheci na minha passagem por esta deambulação que conta já com 28 anos de peripécias.
Como já tive a oportunidade de lhe dizer, a Ana é sem dúvida um ser humano muito, mas muito bonito!
Ser hoje seu amigo, seu colega de trabalho e parceiro noutros projectos de secretismo pouco maçónico, é uma possibilidade quase diária de poder testemunhar todos os adjectivos que humildemente lhe atribuí.
Observar a tenacidade de uma mulher é por si só um espectáculo digno de se assistir, sentado, em pé, seja lá como for e sem pipocas.
Creio que não devem existir muitos animais com o espírito de sacrifício e capacidade de resiliência de uma mulher, e sobretudo não existem por certo mais Anas Maltez, isso posso por minha inteira responsabilidade assegurar.
O livro que escreveu demonstra que o ser humano é capaz de coisas absolutamente indescritíveis, inqualificáveis de tão belas que são e incomparáveis em grandeza.
Será sem dúvida alguém que, seja qual for o caminho que a vida me reserve, a estrada por onde conduzirei o meu pequeno carro, de pessoa pouco abastada mas com sonhos de verdade, haverá sempre espaço e tempo para recordar alguém tão grande assim.
Nunca é de mais dizer Ana, que és do tamanho do que vês e nunca do tamanho da tua... altura!
Que exemplo de amor, de vida, de amor à vida, de amor a alguém, de amor a si própria, de amor à memória.
Para ti, Campeão! é uma obra de uma força notável, e ainda nem passei as 3 primeiras páginas.
És uma força, uma inspiração, com olhos de quem tem na alma um propósito e um claro ímpeto de amar a existência.
Obrigado.

14 de janeiro de 2012

Das noites.. para os dias!

Cresce do vento a esperança fresca da manhã, de um novo e revigorado suceder de horas, acontecimentos, realidades, reais adversidades, responsabilidades e seu contrário.
Da avenida de sempre vem o burburinho sussurrado das árvores, que anunciam a chegada do dia. Ele aí está. Um, e mais outro. E... mais outro, na sucessão dos dias e dias que se seguem.
Chegam cedo logo depois das noites quentes e frias, mais escuras e sombrias, depende sempre, não se sabe bem de quê, é o que se percebe do que de pouco se vê.
São agora 06h15, Ele desce a rua calmamente, mãos nos bolsos, com luvas de cabedal, grossas, quentes, negras como o alcatrão, ásperas do uso, das longas e épicas, titânicas batalhas contra o frio, a chuva, o vento, os bolsos, o calça e descalça frenético, o poisa aqui e poisa ali e volta a calçar, caiem ao chão, apanha, tem de sacudi-las uma e outra vez, fazendo-as embater violentamente uma contra a outra, sem qualquer demonstração de respeito, afecto, carinho para quem por ele dá a cara à luta.
Continua rua abaixo em direcção ao carro.
Pensarão já mal do gajo, só pelas luvas e porque vai trabalhar de carro?
Que mal tem isso?
Não pode ter um carro porque é um molestador de luvas de cabedal negras como o alcatrão?
E quem é que disse que ele tinha um carro?
Não falei em carro nenhum...
Ele caminhava rua abaixo em direcção ao carro, não existe aqui nenhum elemento que permita concluir que o carro é dele, a não ser que ele tire a chave do bolso quando chegar à porta do mesmo.
Passa ao lado do carro e segue para a paragem. 
(A pensarem mal do homem que bate nas luvas, se calhar agora é crime bater em objectos inanimados, que só servem para proteger as mãozinhas do menino do frio que lhe causa gretas nos intervalos dos dedos.)
Está frio, está bastante frio, e sei isso porque estou na rua, do outro lado da rua, a ver, a olhar, a pensar se me vou deitar ou levantar.
Tem luvas mas não tem cachecol, nem um daqueles gorros todos sopimpas que tapam as orelhinhas, ou daquelas camisolas de gola alta, na, nada disso.
Tem simplesmente o casaco frágil e justo ao corpo, que aparenta verdadeiros problemas de credibilidade e afirmação perante a intempérie e que o torna de tal moda frágil que chega a dar pena. 
E o que vai aquele homem fazer às 06h30 da manhã?
Pergunto eu que estou para aqui sentado, sem saber o que vou fazer, limitando-me a observar e... assim faço correr o tempo e descanso os pés que me doem de uma forma indescritível. Frio. Que frio. Escolheste bem o calçado, valha-te isso, palerma.
E ele ali está, vai para mais de 10 minutos, trauteia uma esquisitice qualquer, não percebo o que diz, está do outro lado da avenida e aqui chega-me apenas em formato de murmúrio tímido e codificado. 
Penso cá para comigo: "Que é que estás a fazer pá? Olha bem para ti, tu não és certo, não podes ser, desculpa mas não podes ser, e não digas que és porque isto só mostra que não és.
Não tens nada melhor para fazer do que estar para aqui a olhar para aquele atrasado, o Par de Luvas com um homem agarrado, acorda e vai para casa.
E eu lá vou.
Esqueço o Par de Luvas com um homem agarrado por uns momentos e sigo. Para casa. Acho.
Chego a casa e lembro-me dele, não vou dizer outra vez, não me apetece escrever outra vez aquilo.
Mas passa-me.
Que interessa saber mais da vida dele? 
Poderá sequer existir um objectivo por trás dessa curiosidade sombria?
Não interessa. Sento-me a rever as fotografias, eternas melodias da lembrança que cantam aos olhos de quem as tira.
Sabem bem.
O Par de Luvas? Encontro-o amanhã pela manhã cedo, ou perto do anoitecer da despedida, na descida da rua, a caminho do carro, que parece não ser dele, e o mundo não acaba, e do outro sei pouco ou quase nada.
Quero fazer mais e bem melhor.
Amanhã talvez não venha vê-lo ao deitar, ou ao levantar, tenho de parar de andar.
Não venho por certo.
Antes ficar assim, mas sem ver, imaginando o anoitecer irrepetível e disperso, maravilhoso e controverso, como a escrita de um verso que se pode revelar sofrível.
Deito as linhas à ponta dos dedos, converso com o teclado e percebo que as frases são extensões directas do pensamento, será que o Par de Luvas tem medo?
A simbiose poética do acontecimento com o prévio pensamento do mesmo é, por si só, motivo mais que suficiente para se adorar a sequência dos entardeceres, a conversa das árvores pela noite dentro na avenida vazia, o acordar em burburinho da cidade.
Não há como não admirar a realidade, nem como tirar os olhos dela!

11 de janeiro de 2012

Austeridade, palavra do ano 2011

Austero: que revela austeridade; rígido nos princípios, hábitos ou opiniões.
Que não é flexível; rigoroso, severo.

Que revela circunspecção ou formalidade; sério, grave.

Desagradável para os sentidos; áspero, ríspido.

Que exige esforço; duro, penoso.

Sem enfeites ou ornamentos.
Do latim austēru-, «rude; áspero».
Ora aí está. Todo um quadro de positivismo, boa energia, alegria e sabor numa só palavra, ou será talvez mais correcto chamá-la de palavrão?
Diz o Banco de Portugal que "a economia vai contrair-se ainda mais do que era previsto em 2012", ora isto será então o mesmo que dizer que 2012 vai ser um ano ainda mais desagradável para os sentidos, sem grandes enfeites ou ornamentos e que vai exigir ainda mais esforço. Vai ser portanto um ano ainda mais duro e penoso do que era suposto, que bom que podemos saber isso, quando contamos com apenas 10 dias de 2012.
Estamos portanto na presença de factos novos, factos esses que constituem um desenvolvimento sério e grave, que vai claramente traduzir-se num castigo duro e severo nas vidas de quem sempre é punido nestas alturas, o povo.
Portanto, vamos lá então a fazer contas:
Ora vamos ter então de "apertar o cinto", ai essa bela expressão do pobre e para o pobre.
E agora? Se não formos rígidos nos princípios e não nos mantivermos rispidamente fiéis às nossas crenças, opiniões e convicções, e se não restringirmos os maus hábitos, vamos certamente sofrer as consequências por parte de quem não é flexível na imposição da ordem comum, assim torna-se necessário o ser rigoroso e severo e no trato, terá forçosamente de se apresentar com enorme circunspecção e superior dose de formalidade para ser credível quanto baste.
É isto!

5 de janeiro de 2012

A demora... e a vida lá fora!

    Caminhando na solidão solitária das noites, percebeu que a percepção das coisas é tão real quanto real é a ideia do que somos, e do que queremos conseguir ser.
Na verdade não o percebeu totalmente sozinho, nem foi apenas na aquela noite.
Começou a perceber que as coisas se tinham vindo a tornar sorrateiramente mais compreensíveis, que se esgueiraram pela sombra e conseguiram acordar já mais translúcidas, objectivamente capazes de ser alguma coisa, no verdadeiro sentido da coisa.
    O acordar deixa de ser penoso, deixa de ser o tormento vagaroso e pestilento que até então preenchia os minutos iniciais do abandono do sono profundo, para passar a ser uma "coisa" meio indefinida, uma "coisa" não tangível, não alcançável, não é bem uma coisa, mas sim uma "coisa" mais ou menos estranha, que se entranha, que se enraíza e entrelaça nas fundações da alma e vive cada vez mais forte no clarear dos dias.
Percebe que as convicções se moldam em meses, que as certezas desaparecem, mas só às vezes, que as ideias se transformam em sonhos e que é bom conseguir sonhar sem lágrimas.
Sair de cena é tantas vezes prejudicial quantas mais é recuperador.
     Decide viajar, vai passar uns dias fora com uns amigos, e com amigos dos amigos.
E é de comer e chorar por mais.
Rir, chorar a rir, ver os outros a rir, fazer rir, rir mais, que bem que sabe!
E assim ele redescobre o mundo que escondeu dentro da gaveta dos acessórios de verão.
Chega a casa e percebe que sair do recinto onde luta todos os dias, lhe confere uma perspectiva diferente das coisas.
Estar fora implica olhar para algo que está física e realmente distante. 
Está lá, e agora estou aqui, é a conclusão a que chega, e sabe-lhe bem.
     Olha para os tormentos como olha para os papéis. Olha para a tristeza enquanto escolhe a sobremesa.
Ora, em que pensa ele? 
Em... viver.
E que pensamentos açambarca alguém que pensa em viver, quando está longe?
Que é capaz, que consegue, que tem força, que vai voltar e vai viver melhor?
Não sei e ele também não me responde.
     Sabe que acorda e se deita, dia após dia e gosta.
Sabe que sente e que deseja, que acorda e que se deita, que vive e gosta.
E não é bom sentir o doce beijar da liberdade do pensar?
E não é bom acordar e caminhar com a leveza de quem dança, com a doçura de um cantar, com a frescura no olhar, acordar e deitar, sentir e desejar e de tudo isto gostar?
É bom e é para aproveitar.
É para agarrar.
É para não largar.
     2012 cheira ainda às camisolas novas, tem uma certa leveza no caminhar que faz com que tudo pareça ainda tão belo, um outro melhor bom dia.
Cresce a passo largo, como se caminhasse para o comboio que por si não espera.
Está grande e desenvolto, o homem que parecia moço e que agora sobe na hierarquia.
Está atento e pensante, qual escritor inconstante que se atormenta com a apatia.
Sabe o que quer e sabe-o bem, escuta o seu nome no pensamento, é o seu nome que chamam, o seu e o de mais ninguém.
Feliz a curiosidade que matou o gato.
Mais gatos vieram.
Mais perguntas fizeram.
Mais verdades chegaram.
Mais ideias lançaram.
Mais respostas tiveram.
Gato escaldado de água fria tem medo.
Um gato molhado, um pensamento acabado, uma ideia, um segredo.
No futuro reside o temor, no escuro está o calor, de pensar que é por amor, que a vontade decresce e aumenta.
     Sei o meu nome e basta, nesta Natureza nefasta, basta repeti-lo para mim.
As letras junto e baralho, não sou apenas mais um paspalho, honra esta a de ser O Martim
Porquê?
Não há mais ninguém assim!
Esvazia-se o copo como se esvazia a lua.
A noite é minha e é tua, a pobre coitada está nua sem nada que a tape.
Como é incerta esta rua, onde a saudade se situa e chama por mim.
É verdade. 
É a grandeza da saudade.
Desculpa agora não posso falar.
Estou a trabalhar. A criar. A falar. A ditar. A ensinar. A espreitar. A respirar. 
Se eu não chego, quem vais chamar em meu lugar?
Duvido que alguém o consiga ocupar.
Não há nada como tentar.
Duvido que vá resultar.
Já disse que sou o Martim?
De repente podia ter-me passado ao lado e nada disto fazia sentido.
Até soa bem no ouvido, quando estou um bocado perdido e não me lembro de mim.

(Martim escreve de acordo com a grafia antiga. Já basta quando é obrigado)