21 de novembro de 2011

Cegueira das vaidades


 Cegueira - Estado de quem é cego, ou privado do sentido da visão. Em sentido figurado, é o estado de uma pessoa com o raciocínio perturbado, com falta de lucidez, ou ainda, e desta gosto particularmente, cegueira é também uma certa dose de obstinação ou paixão extrema por algo ou alguma coisa.
E não é que a excelência que criou o belo dicionário da língua portuguesa foi sem dúvida alguém que, das duas, três, ou teve muita ajuda, ou passou por largos pedaços de vida, de merda.
Ora a vida de facto estes pedaços de merda, espalhados, a espaços, pelos trilhos que se percorrem e nem sempre estão no chão, esperando fervorosamente que os pisemos com a força titânica com que pisamos o alcatrão.
Ser cego é tantas vezes uma virtude como uma estupidez.
Vamos à virtude.
Ser cego é ver bem mais, é sentir bem mais, é olhar para a vida com os olhos da alma, é sentir a mesma, com a tenacidade de quem tem no pensamento a ilusão de um futuro que sorri, sorri como sorri uma criança feliz, que tantas vezes não sabe, não ouve, não percebe o que vida lhe diz.
Sim, sou cego, na medida em que desenvolvo paixões extremas por algo ou alguma coisa.
Não sei ser de outra maneira, não sei ser senão cego, e tenho orgulho na minha cegueira, a cegueira da vaidade, por assim dizer.
E por assim dizer, o que é a vida de quem tudo vê?
Como é a vida de quem não é cego?
Como é a vida de quem acha que as cataratas não o afectam, e que pensa tão somente ser detentor de uma visão perfeita?
Não sei, não consigo imaginar, não consigo sequer conceber uma vida dentro de mim, que não seja mais ou menos assim.
Nas horas que passam no corropio dos dias, sinto-me tantas vezes solto e com as mãos tão frias.
O vento gélido e o intenso nevoeiro, são as primeiras palavras, e o pensamento, o grande conselheiro.
As deambulações citadinas nas altas e madrugadoras horas, aparecem-me como vislumbres claros de sustentabilidade mental necessária, mas tantas vezes fugaz e perdulária, desperdiçada, ou mal aproveitada em ideias recônditas que se esvaem com o avançar dos ponteiros no relógio.
No entanto, mesmo vendo pouco ou sendo quase cego, lá vou encontrando o caminho que procuro tantas vezes às apalpadelas.
Sou cego sim senhor, mas um cego orgulhoso.
Vejo o que quero ver, sei o que quero ser.
Mais do que isso, orgulho-me, a cada dia que passa, do que vou construindo mesmo com os olhos tapados.
Aprender a viver tem destas coisas, crescer tem coisas bem melhores.
De cada vez que caímos, há um trabalho messiânico que tem de ser feito, o levantar.
E não é apenas o discurso metafórico implícito na tormentosa frase acima escrita, mas sim o que implica o erguer, o que implica o despertar.
Quando de facto és cego, pouco te importa, custa porque não vês, mas sentes como ninguém, e é esse o teu trunfo, é essa a tua força, é assim, não porque queres, mas porque é mesmo assim, tem de ser assim, para teu próprio bem.
Vais cair muitas vezes, vais pois.
Mas vais levantar-te mais ou menos depressa, isso, por certo que isso não interessa, e quando te levantas, voltas mais cego do que eras antes de caíres, mas sorte têm aqueles para quem olhas.

Sem comentários: