"Mas dou-te mais uma vez, meu bem, saudade é pra quem tem".
http://www.youtube.com/watch?v=URD3-bID9d8
A Marcelo Camelo tenho de agradecer obrigatoriamente a construção destas frases em forma melodiosa que segredam ao ouvido sensações únicas a que nos remete a palavra SAUDADE.
No limiar da fronteira entre o dia e a noite assume o escritor a sua veia criativa.
Pensa de dia e plastifica de noite.
Novos desafios e construções de significâncias surgem aos olhos do homem que em tempos não o foi, da criança que hoje não é mais.
As ilusões são criadas pela vontade de as ver acontecer.
Os sonhos são tão somente vontades projectadas e epifanias disfarçadas.
Sonhar é o querer inconsciente, "pintado" com imagens do real, que na mente são dobradas, retorcidas, adequadas, encaixadas e devidamente traduzidas.
Ser sonhador é tão mais do que fazer simples transposições de imagéticas da vida para o local onde acordados nunca estamos.
Ninguém sonha acordado.
Tal coisa não existe.
Ou se sonha a dormir, ou se dejesa conscientemente o que se quer.
Sendo o sonho a matéria abrilhantada que reside no subconsciente e sendo essa a sua magia, o facto de aparecer de noite, ou de dia, mas única e exclusivamente enquanto dormimos, descansados ou nem tanto assim.
O tempo tende a trazer-nos memórias do que sonhámos, do que sonhamos, na correcta proporção e no verdadeiro equilíbrio e balanço de uma sequência Fibonacci.
- Não desisto, ouviste bem? Não o farei. Te garanto e te prometo que nunca virarei as costas, nunca o faço, nunca o fiz e nunca o farei.
- Mas porque me dizes tudo isso Kiko?
- Porque sim.
E Madalena logo se calou, e aquelas palavras permaneceram na sua mente durante semanas, meses.
Francisco foi, voltou, sorriu e mais tarde, já de noite, já deitado, chorou.
Não era seu hábito quebrar assim, mas o ser humano precisa disto, precisa de quebrar, precisa de cair para se poder levantar com o erguer-se do chão perceber que de facto o mundo e a vida não são junto ao alcatrão!
Madalena e Francisco continuaram a viver o quase platónico sonho de uma manhã de verão no mercado da Lapa.
Ele esperou, esperou, esperou e continuou a esperar pelo dia que sabia, que um dia, iria ver chegar.
Ela não sabia, não sabia como saber, não tinha como o fazer.
Ele descansou-a, fê-la perceber que não havia medo a ter.
Que o futuro era um lugar todo ele desconhecido, mas na verdade, é assim que ele deve permanecer.
Haverá notícia pior que saber o que futuro irá trazer?
Os dias vão passando.
Multiplicam-se pelo expoente máximo os sorrisos, os abraços, as conversas, as brincadeiras, os beijinhos e as bebedeiras de felicidade, sem nunca se prometer nada mais, do que ser fiel ao compromisso de verdade e sinceridade assumidos diariamente um com o outro.
- Não vou a lado nenhum. Não tenho pressa para nada, nem planos de partir, disse Francisco ao ouvido de Madalena.
Ela voltou a fechar os olhos, sentiu o arrepio tão doce, e perguntou-lhe ainda mais baixinho:
- Abraças-me até ser dia?
- Seja qual for o dia!
Este amor dura e perdura no tempo.
Quem são os Franciscos e as Madalenas desta nossa existência?
São os que esperam sem prazo imposto, são os que aguardam sem pensar em desgosto, são os que se olham sempre, mas sempre, de sorriso no rosto.
A vida é para a frente, a vida é ontem, hoje e amanhã?
Que bem que sabe o trincar fresco de uma maçã.
Já mais tarde, de meninos pela casa, de rugas orgulhosas na cara, brinquedos espalhados na sala, olham-se em certa tarde, e perguntam sem dizer nada...
- Foi esta a viagem encantada?
- Foi esta a viagem desejada e sonhada?
Respondem com um piscar de olho, com um sorriso rasgado, o gesto apaixonado de dizer gosto de ti sem abrir a boca.
Quem sabe do que se fala quando a boca se cala?
De mãos dadas no terraço, envolve-os o abraço e o olhar terno de uma vida já vivida, com a cumplicidade merecida.
São amores de uma vida, que se viu a espaços perdida, mas sem nunca se desleixar!
São entregas perpetuadas, de uniões abençoadas pelo destino que insistiu em os juntar.
Se haveria alguém que um dia pudesse prever como esta história se viria a desenrolar?
E não é essa mesma imprevisibilidade que traz o brilho ao nosso olhar?
Sinto hoje um qualquer burburinho das almas, perdidas entre noites quentes e calmas de arrepios e borboletas.
Sei que no fundo tudo se resume à ebulição de todas as emoções concentradas, de tantas tentativas falhadas, de percepções assutadas, que na vida enebriadas, se desvancem com o tempo, te trazem à boca o lamento, mas subitamente...
Devolve-se à alma o alento, sim e sei que sou eu que o alimento, mas chega, já não aguento, já não aguentava.
Era a porta que batia e a janela que fechava. E a mim, em mim, pouco ou nada se encontrava...
Pretérito do verbo encontrar, conjugado na forma correcta, porque é na presente que vivo agora, vou, na janela com a cabeça de fora, sorrindo até te encontrar...
Não páro, não tranco a cara nem cerro os lábios, ao invés reinvento a lógica tantas vezes subjugada, de procurar pontos de luz em casas de janelas fechadas.
É tarefa dura? É, mas sabe bem, sabe tão bem dar e receber, sabe tão bem, olhar, não falar e perceber.
Sabe tão bem sentir saudades de quem...
Sabe tão bem não pensar em mais ninguém.
De flores se retira o cheiro, dos teus olhos o olhar, fico nele assim bem preso, até o dia voltar para me acordar.
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