16 de julho de 2009

Pastéis de nata

Naquela tarde Lisboa cheirava impressionantemente a pastéis de nata.
Quando digo pastéis de nata, são mesmo pastéis de nata e não pastéis de Belém, é importante que se perceba já aqui, neste preciso momento, do que estou a falar. Podem pensar que se trata de um preciosismo pateta e elitista, duma intransigência pateta, ou mesmo que se trata de um manifesto anti-pastéis de Belém, mas estão redondamente enganados. O que pretendo é fazer com que a visualização a que vão ser sujeitos, não seja afectada por uma distorção da matéria prima, isto é, por uma errada projecção mental, seja lá do que quer que eu esteja a falar.
Ora, esclarecimentos feitos, retome-se então a corrente da acção, que ia tão bem.
Naquela tarde, Lisboa cheirava impressionantemente a pastéis de nata.
Era como se a capital tivesse sido invadida por um Exército de massa folhada e creme de natas, quente, não muito, mais para o morninho, ou então tratava-se de alguma tentativa garantida, de bater um record do guinness, dos quais somos especiais adeptos, pois não passam 2 semanas sem que alguém tente bater um record do guinness. Ele são as feijoadas, os pães com chouriço, as broas, as bandeiras humanas, o logotipo do modelo com o Toni Carreira a cantar, as peregrinações a Fátima, eu sei lá...
Mas voltando ao essencial, Lisboa estava deliciosamente apetecível. Estava um dia quente de verão, daqueles que Lisboa tem, tantas vezes. Os estrangeiros, saídos dos cruzeiros, das residenciais, dos autocarros, dão centros comerciais, das praias, ou dos jardins com escaldões de fazer inveja a muito boa gente, estavam absolutamente deliciados, à beira Tejo, observando os peixes estranhos que comem toda a merda que lá encontram. bebiam-se cervejas como se não houvesse amanhã, pairava uma estranha aura que nunca antes se vira.
A cidade estava invadida por uma estranha praga de pessoas bem dispostas, que tinha vindo a crescer com o passar das horas. Pessoas sorridentes, bem educadas, simpáticas, cordiais, carinhosas e gentis. Corria pelas ruas que ainda não se tinha ouvido uma buzina de automóvel, autocarro, camião, táxi, durante toda a manhã, que tudo estava surpreendentemente bem.
Não se passavam multas, não se ofendiam as mães de ninguém, não se estacionava em cima do passeio, parava-se nas passadeiras, os restaurantes e cafés estavam cheios, a comida era sempre boa, os políticos não tinham discutido absolutamente nada na assembleia, melhor do que isso, estavam no miradouro do adamastor no bairro alto, em mangas de camisa, a beber imperiais sentados na relva.
Aliás, esta foi de resto a abertura de um dos jornais diários.
Os estrangeiros, recebiam à saída dos sítios de onde vinham uma colher de café.
Subitamente, de todas as ruas, saíam carros alegóricos com tabuleiros e tabuleiros, centenas, milhares, centenas de milhar, milhares de centenas de pastéis de nata, quentes, não muito, assim mais para o morninho.
Foi o dia em que Lisboa esteve de folga.
Acorda.
Quem eu?
Sim tu Lisboa, acorda que te estão a encher de mimos e tu nem dás por nada.
O quê pá? Tu não estás nada bem.
Então tiveste o dia todo a dormir, nem os carros apitavam, os políticos não trabalharam, os taxistas não enganaram, os turistas provaram, e eu também.
Estavas de comer e chorar por mais, não queres de ficar mais um dia em casa? Amanhã até é sexta-feira, fica que o povo agradece.
Não, que esta cidade sem mim não é a mesma coisa.
Vê lá tu que hoje nem sequer acidentes de automóvel tivemos, nem um!
Nem pessoas a dar entrada nos hospitais, nem nenhum funeral, nem chamaram os bombeiros, nem a polícia, nem o nadador salvador, nem o OK teleseguro...
E achas que isso é bonito, basta eu dormir até tarde que viram logo a casa de pantanas, por estas e por outras é que eu não como pastéis de nata, vendo-os todos.

12 de julho de 2009

hoje..

Hoje, vem sempre no seguimento descompassado do ontem, numa cadência enjoativa, que nos condena terminantemente a correr, vivendo a vida, que é bem diferente de viver a vida a correr.
Correr vivendo a vida, traduz-se essencialmente, num passar a vida a correr, mas vivendo mais propriamente a corrida do que a própria vida. Isto está errado, ou pelo menos deveria estar.
As pessoas nem se apercebem deste desporto mundial, que poderia mesmo ser apresentado como nova competição olímpica. Sei de fonte segura, que só não o é, porque não haveria mãos a medir pela competição feroz que desencadearia. Todos os praticantes das mais diferentes modalidades se aperceberiam da verdadeira dimensão do desporto proveta, e de imediato, desistiram das suas gloriosas (ou nem por isso) carreiras, para se alistarem nos quadros desta modalidade. Haveria assassinatos nas aldeias olímpicas, a máfia passaria para a competição mais depressa do que nos passa o vento pela cara, nas manhãs de Inverno.
Ora, deste modo temos então a noção, ou pelo menos deveríamos ter, de que não há, ainda, porque não faltará quem se lembre, de começar a comercializar isso na net daqui a uns anos, prolongamentos contratuais com o Senhor, para o prolongamento do tempo que podemos ter neste planeta. Por isso mesmo, é mais do que hora de realmente percebermos se andamos a correr vivendo a vida em simultâneo, ou se andamos a viver a vida a correr. Nenhum dos dois é bom, caso ainda não tenham percebido, mas esse é de facto, o ponto crucial da parvalheira sobre a qual acabo de dissertar. Abandonem as duas hipóteses correctas e transformem as vossas vidas. É difícil eu sei, acordar bem disposto, não nos enervarmos com os taxistas e com as mulheres e velhos no trânsito que temos de atravessar para chegarmos ao emprego, onde o patrão, que muitas vezes nem sabemos bem quem é, está sempre a ameaçar com cortes nas despesas e despedimentos colectivos, não saber o que havemos de almoçar, pedir uma Coca-Cola e levar com uma pepsi(a letra pequena é propositada, não se trata de desatenção do palerma que escreveu isto), chegar a casas e ter o marido, ou a mulher, a dar-nos um "chá preto" porque não fizemos a cama, não fomos levar o lixo, deixámos acabar o leite, não pagámos a luz, bla bla, tudo isto é complicado, eu sei, mas não é por correrem a ver passar a vida, ou por passarem a vida a correr, que isso vai aliviar a pressão. Nem tão pouco é por andarem com caras trancadas e de sorrisos no bolso, para dar de quando em vez, tal como fazemos com os elogios, as prendas, os carinhos, os abraços, os bom dia, boa tarde, boa noite e até amanhã, que a situação vai melhorar.
O que me dizes tu quanto a isto?

11 de julho de 2009

amanhã

Ele diz que isto é uma espécie de coisa nenhuma, sem jeito para nada, que encontra na rua toda uma variedade de sacos vazios, papeis em branco, moedas que não mais têm valor, pessoas, que não mais têm nome, ou voz, ou olhos, ou verrugas proeminentes.
Diz que este mundo, está assim digamos para o, esquisito, perdidamente alucinado, com uma prisão de ventre absolutista, que se traduz na total ausência de seja lá o que for.
Mas no meio de tudo isto, ele há coisas que são deveras caricatas. Então não é que mesmo o mundo estando neste estado, ele ainda continua todos os dias a saír à rua para encontrar mais sacos não tão vazios, papéis ligeiramente riscados, moedas que têm afinal um pouquinho de valor, pessoas que afinal ainda têm nomes, embora curtinhos, como Tó, Zé, Jo, Ana, que continuam a olhar-nos, e algumas ainda têm pequeníssimas verrugas tímidas. Ou seja, há sempre um amanhã pelo qual vale a pena acordar, ainda que seja, para se repetir aquilo que se fez ontem, mas pode sempre acontecer algo, subitamente, que transforme o hoje, num grande futuro.
Ora se isto não é ser positivo, então não tenho mesmo jeito para nada, nem para esvaziar os sacos que o gajo tanto quer ver cheios de qualquer coisa que não seja o já repetido nada que lá tem todos os dias.