21 de setembro de 2013

Professores e... senhores doutores!

Aprendi, desde muito pequeno, que existem pilares básicos numa sociedade moderna que precisam de ser mantidos na mais profunda e profícua das estabilidades, a fim de se assegurar a subsistência, sobrevivência e manutenção da ordem nessa mesma sociedade.
Não é preciso ser-se uma "mente brilhante" com um Quociente de Inteligência (QI) de três dígitos para perceber esta equação mais que simples, básica, óbvia e tão óbvia quão óbvia é a capacidade de percebermos o seguinte:

Crianças = futuro 
Educadores + Professores = Quem, de forma objectiva (e, regra geral, fundamentada) é responsável por mais de 60% da educação das nossas crianças, ou seja, quem é responsável por conduzir os “condutores” da próxima geração.

- Tu, na terceira fila, aí junto à parede, do lado direito, como é que te chamas? Terei soado insegura e quase envergonhada?
- Professora, já lhe disse o meu nome 3 vezes esta semana. Olha-me bem para o estado destacoitada.
- Desculpa. Mas… posso saber como te chamas e que idade tens?
- Idade suficiente para já ter percebido há coisa de um mês que estar aqui ou não estar é praticamente a mesma coisa. Estás a pedi-las!
- Como?
- Sim. Estamos em Janeiro, as aulas já decorrem desde Setembro, a professora continua sem saber o meu nome, de onde venho, como é que chego aqui, dia após dia, a que horas acordo para aqui estar pontualmente às 07h45. Se estou, ou não, a perceber alguma coisa da matéria que a professora aqui debita três vezes por semana, não sabe absolutamente nada. Com a sorte que tenho ainda está à espera do resultado da prova de aferição, que testa as suas capacidades para dar aulas…!
- … (Silêncio geral na sala)
- Vê?
- Vejo sim, vejo que estás a ir longe de mais meu fedelho, mas deixa-me que te diga uma coisa em minha defesa. Esta turma tem 45 alunos, tenho três turmas, com aulas que começam imperiosamente às 08h00 da manhã, se me atraso… vocês vão embora, se saio de casa 10 minutos mais tarde por algum imprevisto… chego atrasada, e vocês? Vão embora! Tens razão quando dizes que eu não sei nada sobre cada um de vocês, mas também vocês pouco sabem sobre mim. Eu sei por exemplo que mais de metade de vocês copia, não estuda, “saca” as respostas dos testes para o telefone, mas não vos digo nada, não vos censuro e noutro tempo fá-lo-ia, mas não me posso dar ao luxo de perder este emprego. Estou a 150 km de casa, acordo às 04h30 da manhã, quando nunca me deito antes das 0h30, porque preciso de preparar as aulas, a que vocês não ligam, porque...?! A culpa não é vossa, mas também não é minha.
- … Pedro.
- Como?
- Sou o Pedro. Apanho dois autocarros para cá chegar, saio de casa às 06h15, para apanhar o primeiro deles às 06h25.
- Bolas! Devia ter ficado calada.
- Como uma banana e um copo de leite porque à hora a que tenho de sair de casa a minha mãe ainda não chegou do emprego da noite porteira num condomínio qualquer de gente fina, como aqui o filho do senhor ministro não sei do quê, com o pão fresco que traz todas as manhãs.
Os meus irmãos mais novos vêm comigo, deixo-os no Jardim de Infância que faz a enorme gentileza de abrir propositadamente as portas para os receber, a eles e a mais umas meninas loirinhas de ranho no nariz que vivem perto de nós e que vêm no mesmo autocarro, juntamente com a irmã, a Sara. Está sentada aí mesmo à sua frente, com tanto sono que mal se aguenta de olhos abertos. E o filho do ministro que diz que está cheio de sono porque ontem se deitou às 04h00 da manhã, porque esteve a jogar PlayStation, passo a manhã à espera que chegue a hora de almoço porque a fome é tanta que nem consigo concentrar-me nas aulas. Compreendo tudo professora.
- Não sabia Pedro. Caramba, onde irá parar esta conversa? Mas olha, perdida por cem, perdida por mil.
- Compreendo que não tenho as mesmas oportunidades, que não conseguirei nada desta vida, que estou destinado a sair da escola no final do próximo ano, com média de 11 valores, que não vou poder, como o fará a maioria dos meus colegas, candidatar-me a faculdade alguma, o filho do ministro talvez nem tenha de se candidatar, basta-lhe escolher, ou então daqui a uns anos dão-lhe as equivalências, como fizeram com aquele, como é que ele se chama?  
Preciso de ir trabalhar para ajudar a minha mãe com as despesas de casa. Compreendo que a professora não tem vida fácil.
- Compreendes?
- Olho para si e vejo logo.
- Ui. Bom talvez isto seja positivo e seja isto que eles precisam. Eu devia ser exemplar, devia conseguir que me admirassem, mas não consigo deixar de pensar que este mês não tenho dinheiro que chegue para comer até ao dia 26.
- Os ténis de enfiar rápido nos pés, ideais para quem não tem tempo a perder, calças de ganga, as camisinhas aperaltadas, uma mala enorme onde traz tudo, o iPad, um casaco para o final do dia, comida, mais do que um telefone, garrafas de iogurte, leites com chocolate, depois há o olhar mortiço e tantas vezes perdido, numa vida para a qual não foi devidamente preparada.
- Só me apetece chorar e desistir de tudo. Tenho uma licenciatura, um mestrado…
- Foi “mandada” para bem longe de casa. Conduz durante 1h30 para aqui chegar, muitas vezes chega à sala de olhos vazios, encarnados, de quem veio a chorar pelo caminho… deixaram-na acreditar que ser professora era uma profissão nobre, não foi? Pobrezinha. Passou anos a alimentar o sonho de trabalhar com crianças, com jovens, de os ensinar, de fazer parte das suas famílias, do seu crescimento, de ser reconhecida como uma autoridade na sua área e sobretudo ser respeitada pelo simples facto de ser professora. Enganaram-na e bem, não foi?

O que se faz aos professores chega a ser insultuoso.
E quando se perdem as referências educativas, quando se perde a noção de quem devemos ou não respeitar, de quem devemos ou não escutar, com quem podemos ou não aprender, então é caso para nos preocuparmos mormente, porque no futuro ninguém ficará contente com o futuro de toda esta gente.
Uma sociedade que não educa, que não se preocupa, que não respeita e que ao invés enjeita é uma sociedade tão imperfeita quão imperfeita é a Educação, num país em convulsão.

“A educação é um processo social, é desenvolvimento. Não é a preparação para a vida,  é a própria vida”, John Dewey

“É no problema da educação que assenta o aperfeiçoamento da humanidade”, Immanuel Kant

Que vida pode dar a um grupo de alunos um professor/educador em sufoco, em frustração, desalento e descrédito na sua própria posição? Ataquem-se os princípios, os processos, os métodos, mas não se ataquem as crianças, os jovens, os pequenos adultos, porque no ataque aos professores está um ataque bárbaro, impiedoso e cruel ao futuro da humanidade. Tirem o sonho às crianças e mais vale fechar tudo isto e acabar de uma vez por todas com as bacocas teorizações sobre os exercícios de poder ministeriais, porque no dia em que as crianças deixarem de sonhar e os professores deixarem de ser capazes de os levar de volta ao caminho, então aí devemos todos morrer envergonhados porque teremos reconhecido que o ser humano é de facto… fraquinho!


2 comentários:

Unknown disse...

Grande texto meu amigo... Só é pena que a maior parte da sociedade esteja sempre contra os professores, devido a erro de alguns Dinossauros que não têm grande vontade de ensinar e estar na escola... mas como por uns pagam todos, toda a classe docente é afectada por essa imagem... Hoje em dia ser professor é dose... ninguém valoriza o trabalho dos professores, especialmente os pais que passam 2 ou 3 horas com os filhos por dia, dão valor às pessoas que estão com eles todo o dia e que lhes transmitem os valores que vão permitir construir a sua personalidade... É triste que assim seja... Muitas pessoas reclamam, sem saber, porque os professores trabalham pouco, porque os professores têm tardes livres, porque os professores não trabalham tanto como os outros funcionários públicos... A essas pessoas só tenho a dizer uma coisa... os professores têm muito mais trabalho do que aquele que fazem na sala de aula, sim porque os bons professores que arranjam as melhores estratégias para ajudar os 200 alunos, de certeza que não têm uma mesma receita para todos.... Ahhh e tal os professores ganham muito dinheiro... Só para que saibam e não falem à toa... um professor ganhar menos de 1000 euros cerca de 900 e poucos euros e como as carreiras estão congeladas ficam a ganhar isso durante 10 e 15 ano e ao fim desse tempo ainda ficam sem colocação e ainda ficam a dar aulas a distancias surreais de casa a ter despesas com deslocações que não cabem na cabeça de ninguém.... peguem numa calculadora e façam as contas e vejam se sobra algum.... Digo-vos também que eu DESISTO, custa-me muito dizer isto porque sempre quis ser professor e não me permitem... e para receber o que se recebe e ser tratado como tratam os professores com tamanha ingratidão... não obrigado :)

Martim Mariano disse...

-MEU Caro, lamento que desistas mas sei que se o fazes é porque tens uma família para sustentar e pão para colocar em cima da mesa. Estes senhores não compreendem que dentro de alguns anos vão ser cada vez menos as crianças a quem se possa ensinar o que quer que seja, que este vai ser um país velho, um país triste, mais e mais triste sem crianças para pintar com cor os dias cinzentos que se vivem.
Sinto de uma forma especial esta causa..
Como sabes, formei-me em Educação de Infância e hoje, como jornalista, bem sei o que a opinião pública, muitas vezes mal conduzida, pensa dos professores.
A crise de valores é real, muito real e está a bater às portas das pessoas com força! Um forte abraço