25 de novembro de 2011

Palavras, para quê?!

Passam-se e seguem-se.
Olhares de redoma, transcritos numa fonética imperceptível.
É normal, não sou de cá, e demoro a perceber o que dizem todos estes... habitantes do mundo que não conheço.
Tenho tempo.
Café? Não obrigado.
Chega-me um bolo e um sumo.
A manhã ainda é curta e o tempo não escasseia.
Meto a mão ao bolso e procuro a...
Aqui está, nunca saio de casa sem ti.
Chego a ter a sensação que nunca chego a sair de casa, e se saio, não me dou conta de onde parei e de mim me esqueci.
Sou quem sou e tu quem és?
Apresso-me e lembro-me que vou trabalhar.
Chego de cara fechada, e tu também, com um intervalo de cerca de dois sinais vermelhos, um acidente na faixa da direita e dois eléctricos cheios, tudo isto dá um total de aproximadamente dez minutos, mais coisa menos coisa, mais buzina menos buzina, mais trânsito na esquina, e a senhora de idade na passadeira, que segura com força a carteira.
Convergimos de maneira estranha mas em simultâneo observamos que é redondo o prisma torto do local onde nos sentamos.
Passam-se as horas, o trabalho preenche o vazio do esquecimento, mas não deixa de ser um tormento ter que te aturar.
No relógio está a constância perene da vida, que te informa, que a passos largos há mais um dia a passar, e tu, meu caro, tu que continuas sem saber como o dia vai acabar.
Parece pouco importada em conversar contigo, mas também é melhor assim, não terias grande coisa para lhe dizer, pois não? Na verdade, não terias nem sequer nenhum tipo de conversa aprazível para ter com ela.
Do tempo não sabes falar, de comida? Não sabes cozinhar. Da vida, não saberias sequer por onde começar.
O que estou para aqui a dizer? Sou suficientemente pessoa, para conseguir conversar com outra pessoa qualquer, até com ela...
Sou suficientemente alguém para poder dizer também aquilo que o mestre (Pessoa) disse:
"Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?"
Posso até ter vergonha, posso até corar de lamento, dar a entender que sou fraco e não aguento, mas no fundo, sei que sim, que posso, que consigo dizê-lo assim, porque sei quem sou, e sei o que é feito de mim.
Tentarei de novo amanhã, conversar, porque para amar é preciso bem mais do que um atraso no trânsito, bem mais do que a senhora na passadeira que se agarra à carteira.
Conversar não, isso é bem mais simples, basta abrir a boca e seja o que a conversa quiser, seja homem, mas sobretudo, seja aquela mulher!
Conversamos tantas vezes, e tantas outras não o fazemos, limitamos a conversa à falta de assuntos porque não é conversa que queremos, nem para conversa que estamos.
É um jogo este, o paradigma de viver, e por isso assim eu escrevo, porque há tanta coisa para ver, e sobretudo há tanto para dizer.
Nas margens, de rios, de folhas soltas, de conversas, de olhares, de sons e cheiros, reside tantas vezes o oposto que se aproxima, o perto que se afasta e se torna irremediavelmente distante e longínquo, que nos remete para a lembrança.
Quando partimos e viramos costas ao centro, deixamos para trás tanta coisa, mas há algo que sempre me faz lá voltar, as palavras.
Essas ninguém te as tira, ninguém te as leva, são tuas, sob direito inalienável de propriedade, porquê?
Porque sim.
Porque o que é teu às tuas mãos vem parar, e as palavras, caem-te nas mãos como se de folhas das árvores se tratassem.
Não julgo os acontecimentos, julgo os momentos que levam às realidades congénitas que atravesso e, assim cresço, assim assimilo o que o real me reserva.

E assim, é bom poder dizer, que leva tempo a perceber, mas que quando chegas ao R/C da compreensão, e olhas o topo visto de baixo, sabes que o caminho é longo e arrebitado, mas que ao caminho estás interiormente ligado e vinculado, com ele fazes o teu compromisso, e ao mesmo, te manténs quase fiel.
Deixa-te ir, apodera-te dos fins-de-tarde, e adormece a teu lado as noites frias, que no mundo há sempre lugar para mais um sonho.



24 de novembro de 2011

184 dias

Dias, noites, tardes, manhãs, madrugadas, alvoradas, palhaçadas.
Revolta, tristeza, fúria, lamuria, convulsão, depressão, aceitação, compreensão, entendimento, desenvolvimento, lamento profundamente, dor permanente.
Quem não sabe do que falo, não sabe o que se sente.
É o que é, e aqui estou de pé.
Só um momento, tenho de interromper.
Há um copo meio cheio que está sozinho, e sem mim não se volta a encher, e Meu Deus, à dor, a essa sim tenho de dar de beber, é só um instantinho.
E vai mais um golinho.... ahhhhh.
Retomemos.
Duvido e duvidei tantas vezes, esfrego os olhos que não abro e, não os sinto, há um certo prazer na loucura que só o louco percebe, há um certo temor na tristeza que só o triste consegue, há um certo pesar na forma como se escreve, mas há também uma dose de sobriedade que advém da busca do entendimento, de que nem sempre o triste se lembra.
Na verdade, procura pensar de menos nas coisas a mais, procura perceber quais foram os erros fatais, busca na amargura a frescura das figuras leais, e encontra na sombra a resposta para os dias, que tais.
Nem sempre consegue achar a resposta mais certa, nem sempre se lembra que dorme de janela aberta, é torta a linha que segue e que há-de seguir, o desencanto que sente no amor que deixa partir.
Ah poeta, palerma que sonha que há-de vencer, 
o terror dos dias de dor que jura jamais perceber.
Herói acabado de rosto tapado que teima em sorrir, olhando o futuro, guardando o passado, sonhando acordado com o que há-de vir.
Quem promete, repete, tal qual a cassete da fita comida,
É triste pensar, no horror de enterrar um ciclo de vida.
Mais dias virão, tens o caminho na mão, não sejas tristeza,
Serás o melhor, sabes isso de cor, com toda a certeza.
Poesias à parte, que para isso não há arte que explique a destreza,
De em parte montar, um fio de pensar, com toda a clareza.
E que melhor para completar aquilo que julgo dizer, com as palavras de alguém que na vida soube bem como custa, o sofrer.

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
 
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Contados, um após o outro.
Andei e andei e até aqui cheguei,
Ao longe conto as vezes que sozinho me perdi.
Sozinho, de pé, sentado, deitado, bem sei, o que é viver sem ti.
Acredito e sei que repito, talvez porque custa aceitar,
Que o futuro possa ser um lugar, onde tu não vais estar.
Mas no final de contas, olho, vejo, penso e sorrio,
Mesmo que por dentro o que sinto, seja o mais puro vazio.

23 de novembro de 2011

Eu cresço. Dele? Não quero saber




Crescer sem ser de forma positiva é algo que me causa alguma estranheza, mas aceito.
A palavra crescimento tem como significado - desenvolvimento progressivo.
Eu cresço, tu cresces, será que crescemos todos?
Será que aprendemos alguma coisa na verdade, enquanto conjunto separado do indivíduo?
O amanhecer é tortuoso por estar envolto numa tremenda incerteza.
Alguém disse um dia que o melhor de acordar a cada manhã, é que nunca sabemos o que vamos encontrar desde que abrimos os olhos, até os fecharmos ao final do dia.
E eu que gosto de tanto da cegueira...
No mais puro recanto do pensar existe matéria que só o mais atento consegue alcançar.
Passamos a mão pela cara e esfregamos os olhos com veemência, queremos ver mais e melhor, entender o que vemos, perceber o que na verdade não compreendemos de todo, e assim fazemos este gesto repetidamente, vezes e vezes sem conta, e tantas são as vezes em que as contas não chegam.
Em que nada chega.
Em que gostar não chega.
Trabalhar não chega.
Olhar não chega.
Errado.
Há momentos em que do pouco se chega a tanto.
Há momentos em que basta apenas o encanto.
Há momentos em que não se pede nem mais nem menos, apenas aquilo que fazemos, os sonhos que temos, o quanto queremos, as voltas que demos, o tanto que fizemos, aquilo que quisemos, onde nos perdemos, o que éramos em pequenos, os sorrisos a menos, desses não nos lembremos.
Somos mais do que os livros.
Somos nós que os escrevemos.
Do espelho se projecta a imagem que queres ver, ou aquela que queres ter.
Nunca um espelho te enganará, nem tão pouco te dirá, que aquilo que vês, não é o que de facto ali está.
Por isso meu amigo.
Torna-te de facto aquilo para o qual estás destinado.
És o maior, o melhor e o mais forte e capaz.
Prova-o, mostra-o, ri-te de quem te diz o contrário.
E um dia tudo o que é teu às tuas mãos virá parar.
Seja como for, tens de estar pronto.
Cara lavada, barba aparada, camisa engomada, olhos felizes, sorriso que é teu, mãos frescas, és tu rapaz.
Tudo parece avançar ao seu tempo certo.
O tempo pára por vezes, o relógio conta-os, mas eu não, puxo o isqueiro, acendo mais um, mudo a faixa, e mantenho os olhos fechados, sou eu e a minha cegueira.
Mudam-se os tempos mas não muda a vaidade.
E assim cresço como homem.
Eu cresço, tu não sei e dele não quero saber.

21 de novembro de 2011

Cegueira das vaidades


 Cegueira - Estado de quem é cego, ou privado do sentido da visão. Em sentido figurado, é o estado de uma pessoa com o raciocínio perturbado, com falta de lucidez, ou ainda, e desta gosto particularmente, cegueira é também uma certa dose de obstinação ou paixão extrema por algo ou alguma coisa.
E não é que a excelência que criou o belo dicionário da língua portuguesa foi sem dúvida alguém que, das duas, três, ou teve muita ajuda, ou passou por largos pedaços de vida, de merda.
Ora a vida de facto estes pedaços de merda, espalhados, a espaços, pelos trilhos que se percorrem e nem sempre estão no chão, esperando fervorosamente que os pisemos com a força titânica com que pisamos o alcatrão.
Ser cego é tantas vezes uma virtude como uma estupidez.
Vamos à virtude.
Ser cego é ver bem mais, é sentir bem mais, é olhar para a vida com os olhos da alma, é sentir a mesma, com a tenacidade de quem tem no pensamento a ilusão de um futuro que sorri, sorri como sorri uma criança feliz, que tantas vezes não sabe, não ouve, não percebe o que vida lhe diz.
Sim, sou cego, na medida em que desenvolvo paixões extremas por algo ou alguma coisa.
Não sei ser de outra maneira, não sei ser senão cego, e tenho orgulho na minha cegueira, a cegueira da vaidade, por assim dizer.
E por assim dizer, o que é a vida de quem tudo vê?
Como é a vida de quem não é cego?
Como é a vida de quem acha que as cataratas não o afectam, e que pensa tão somente ser detentor de uma visão perfeita?
Não sei, não consigo imaginar, não consigo sequer conceber uma vida dentro de mim, que não seja mais ou menos assim.
Nas horas que passam no corropio dos dias, sinto-me tantas vezes solto e com as mãos tão frias.
O vento gélido e o intenso nevoeiro, são as primeiras palavras, e o pensamento, o grande conselheiro.
As deambulações citadinas nas altas e madrugadoras horas, aparecem-me como vislumbres claros de sustentabilidade mental necessária, mas tantas vezes fugaz e perdulária, desperdiçada, ou mal aproveitada em ideias recônditas que se esvaem com o avançar dos ponteiros no relógio.
No entanto, mesmo vendo pouco ou sendo quase cego, lá vou encontrando o caminho que procuro tantas vezes às apalpadelas.
Sou cego sim senhor, mas um cego orgulhoso.
Vejo o que quero ver, sei o que quero ser.
Mais do que isso, orgulho-me, a cada dia que passa, do que vou construindo mesmo com os olhos tapados.
Aprender a viver tem destas coisas, crescer tem coisas bem melhores.
De cada vez que caímos, há um trabalho messiânico que tem de ser feito, o levantar.
E não é apenas o discurso metafórico implícito na tormentosa frase acima escrita, mas sim o que implica o erguer, o que implica o despertar.
Quando de facto és cego, pouco te importa, custa porque não vês, mas sentes como ninguém, e é esse o teu trunfo, é essa a tua força, é assim, não porque queres, mas porque é mesmo assim, tem de ser assim, para teu próprio bem.
Vais cair muitas vezes, vais pois.
Mas vais levantar-te mais ou menos depressa, isso, por certo que isso não interessa, e quando te levantas, voltas mais cego do que eras antes de caíres, mas sorte têm aqueles para quem olhas.

20 de novembro de 2011

O que sou ou fui afinal?

Por certo sei que fui alguém.
Por certo sei que sou mais do que ninguém.
Com toda a certeza me refiro a mim mesmo como um prolongamento do que penso, do que faço e de tudo aquilo em que acredito, ou em que me meto.
Fernando Pessoa disse certo dia que, "Não tenho a pretensão de que todas as pessoas que eu gosto, gostem de mim, nem que eu faça a falta que elas me fazem. O importante pra mim é saber que eu, em algum momento, fui insubstituível, e que esse momento será inesquecível", ora é pura esta ideia completa, é mágica a mente do poeta, e alguma coisa dita faz sentido numa vida meio perdida?
Tantas vezes se busca o irreal nexo das palavras, contrapondo-as ao surreal sentido da verdade dos actos, na tentativa louca de perceber qual o resultado da soma de uns com os outros, divido as emoções e subtraindo as experiências, as horas de vida, os momentos inesquecíveis, as noites não dormidas, os sorrisos de cumplicidade atirados ao vento que nos banha a cara.
Não tenho de facto a pretensão de querer que todas as pessoas de quem gosto, gostem de mim da mesma forma, até porque ninguém gosta exactamente da mesma forma, há sempre uma parte que é superior num todo, há sempre uma fatia maior em duas retiradas de um bolo.
Tenho sim, o desejo interior de que ao menos gostem de mim, não porque gosto, não porque peço, não porque demonstro, mas sim porque faço, aconteço, sou, estou, vou, e mostro sempre, tudo!
De facto, coloco acima de todo os patamares possíveis a vontade de ser ou de ter sido, em determinado(s) momento(s), inesquecível, único, incomparável, inigualável.
Posso ser presunçoso, ganancioso, egoísta, ou tudo o que nesse campo me quiserem chamar, mas tenho a certeza que fui, que sou e que hei-de voltar a ser tudo isto, porque de facto, não sou mais um, sou alguém, não mais do que ninguém, nem parente de quem tem a vontade de ser alguém.
Eu sei que sou, que fui e que certamente voltarei a ser.
Todos os momentos em que o fui, sinto-os como únicos, como primordiais, como momentos irrepetíveis, e é isso que têm de ser, que vão ser, porque não deixarei que sejam menos do que isso, mas permitirei que sejam sempre mais e mais qualquer coisa, que cresçam à dimensão construtiva e sonhada de tudo aquilo que foram momentos de sonho, e é o sonho que comanda a vida, não é mesmo?
Como tal, é de sonhos que se alimenta a alma, mesmo em dias de uma aparente calma, comanda pela tenaz madrugada limpa, que ao céu oferece a lua envergonhada, e deixa cair a humidade a espaços, o amor em abraços e o gostar em olhares puros e cristalinos.
Obrigado senhor Pessoa, porque...por...
Por tudo.
Obrigado.
Nada do que parece é na verdade uma parecença da real realidade crua.
Nada do que se assemelha ao que na verdade existe, se torna mais do que aquilo em que pensas sentado na tua rua.
Pensa bem, e torna-te insubstituível.

19 de novembro de 2011

O que é na verdade!?

Contentamento descontente? Fogo que arde e não se sente? Seres alma e sangue e vida em mim, e dizê-lo cantando a toda a gente?
Quantas e quantas vezes me perco nas deambulações cáusticas da palavra, nas expressões desencontradas da racionalização do sentimento, ou nas intemporais buscas de razões ou vocábulos, que melhor definam o que é tantas vezes inexplicável, se não quase sempre, impossível de verbalizar.
Os caminhos são estradas sinuosas, cobertas de tudo o que são elementos de tempo e espaço.
As manhãs de nevoeiro, as tardes solarengas, as madrugadas quentes de borralho, as noites intermináveis de chuva forte e desmedida, que nos acerca e ensopa, e nos faz perceber que igualmente ensopada e cercada é tantas vezes, a própria vida.
Mas há caminho, há toda uma via rápida de incerteza que não deixa de ser igualmente sensitiva e deslumbrante.
Crescer é de facto uma maravilha aos pés de quem, descalço, se atreve a sair à rua.
Tão sabiamente alguém um dia escreveu, que dar de beber à dor é o melhor, e tem noites que sim, tem tarde que nem tanto, e manhãs em que é um pouco de qualquer coisa do género.
Aproximo-me das 04h00, sem saber para onde caminho, sei que vagueio aqui sentado, mais sereno, ligeiramente encostado, em pose altiva de conselheiro revivalista do passado a que me apego.
Dele não vivo, mas dele me sirvo, a ele sim dou eu de beber.
É nele que vive a réstia de amargura, que não teima mas perdura, sem saber onde se esconder.
Não te vejo, mas pressinto-te, sem o vinho eu não me minto, que de fugas se faz o sobrevivente.
Querer ser inteligente, passar ao lado, seguir em frente, mudar o ar, ser diferente, é pedir demais a quem não segue as estradas principais.
Na poesia sonora das ruas por onde passo, encontro de tudo um pouco, e em tudo, absolutamente nada.
No nada descubro porquês, descubro ainda mais, descubro-me a mim.
E é de mim que preciso.
A ti vejo-te tanto, como tão pouco sinto que o faço, sei bem o que te chamo, chamam-lhe amor ou chamem-me louco, por mim é apenas mais uma frase num pedaço.
Estranhamente desligamos uma parte do cérebro que nos permite manter o fiel, sempre necessário e de preferência conveniente raciocínio, quando nos apaixonamos, ou quando simplesmente assim estamos.
Não raramente sofre, não frequentemente sente, que é aquilo que mostra a toda gente, a alegria permanente, de quem sente o que mais ninguém desmente.
Viver é aprender, amar, errar e sofrer, é perceber, que no entanto, não há nada que não se tente, se é isso que deveras se sente.
Vida, mostra lá que não és pequena, que não enganas quem te ama, nem te mostras tão serena, que acalmas quem te chama, e que de facto vales a pena.

14 de novembro de 2011

Se, se, e se?!

Tantas vezes navegamos na hipótese, tantas passeamos nas conjecturas e nas ideologias e nas possibilidades, mas nunca paramos para pensar que de facto de nada nos serve.
Somos, reconhecidamente, um povo de ses, de, e se, de, ai se, e de quem me dera...
E isso faz-nos simultaneamente ser um povo de sonhos, e um povo que não os persegue...
Dentro do fatalismo crónico que nos pinta a alma, conseguimos sorrir cada vez menos, conseguimos querer cada vez mais, mas também conseguimos ser cada vez mais... burros!
Vivemos com o que não temos, e queremos sempre o que têm os outros, caminhamos sobre brasas, mas não lhes deitamos água, ao invés disso, tiramos os sapatos, e andamos mais devagar.
Qual o melhor conselho para darmos a nós próprios?
Já nem sei.
Vivemos numa terra com problemas de visão, de audição, de olfacto, de tacto... de tudo e mais alguma coisa.
Mas temos sol, cerveja, tremoços, camarões de espinho, vinho do bom, futebol, Fátima, Algarve, Madeira, Açores e tanto mais.
Ora o que fazer perante uma balança tão desequilibrada, que deixa a alma prostrada, a vida amaldiçoada, a cabeça mais pesada, a vista cansada, a sola dos pés queimada, a gasolina refinada, a chávena escaldada, a canção desencantada, e a guarda rebaixada?
Nada?
Nada... disso.
Fecha os punhos, cerra os dentes, levanta os olhos, olha em frente, vê mais longe, vê mais alto, sonha muito mas a prazo, conta trocos, lembra-te, nada vem por acaso.
Deus é meu, é teu, é nosso, mas não lhe peças mais do que ele por ti pode fazer, o Senhor só tem dois braços, e também tem de descansar, como podes tu pensar que ele só a ti tem de ajudar.
Tem calma, respira, visualiza, não desarmes, não desistas, acredita, mas trabalha meu malandro, trabalha, que só assim podes ser alguém.
É o trabalho que distingue o homem da besta.
E para besta já basto eu, que venho para aqui com a mania que consigo ordenar da forma certa, as palavras que me vêm à cabeça, mas até isso dá trabalho.
Ou seja, até para ser besta se é preciso trabalhar, e muito, porque senão confundir-te-ás com uma besta qualquer, e isso nunca.
Sou uma besta qualificada para tal, não façamos cá confusões.
Se queres ser besta, trabalha!

Estupidez é não ser nada

Os encontros e desencontros são tudo menos ocasionais.
Por ocasional entende-se tudo o que é fruto da ocasião, que é imprevisto, eventual, acidental ou fortuito. E encontros e desencontros não podem ser ocasionais, não podem ser fruto de acasos ou de acidentes.
A vida mostra-nos que praticamente tudo dentro dela serve para retirarmos uma qualquer propriedade, ou mensagem, ainda que à partida seja completamente estapafúrdia, irreal, ridícula ou inexistente, mas que na verdade estamos a viver o que estamos a viver por algum motivo, e não apenas como fruto da ocasião.
É contraproducente pensar-se que existem cosias que nos acontecem por acaso, e que só por acaso é que estamos a viver ou a presenciar o que quer que seja.
Vá lá, somos mais inteligentes do que isso, penso eu.
Cair na estupidez é fácil, é simples e não dá trabalho nenhum, nenhum, mas ao mesmo tempo é, como é que hei-de explicar isto... ESTÚPIDO!
Somos o que fazemos e caminhamos para onde queremos, não vale de nada atirar as culpas para cima das casualidades.
Certo dia Pedro acordou e a sua vida mais não era que um retalho estraçalhado do que outrora havia sido.
Não morava onde morou, não amava quem amou, não chorava por quem chorou, nem chamava que chamou.
Não comia o que sempre comeu, não bebia o que sempre bebeu, não via o que sempre viu, pensou até que o seu nome não era mais seu.
E de facto não era, era o nome que a sua mãe lhe deu.
Deixou de comer porque quis, deixou de ver porque olhou para outro lado, deixou de amar, porque estava já cansado, e deixou de chorar porque as lágrimas se tinham esgotado.
Não Pedro, nada disto foi por acaso.
Deixaste porque quiseste, porque foi para lá que caminhaste, foi para lá que te dirigiste.
Se te arrependeste, tens bom remédio, dá meia volta, arrepia caminho e recomeça a procurar tudo o que sempre foste, tudo o que sempre amaste, tudo o que sempre quiseste e sempre desejaste.
Nunca é tarde para tentar.
Nem cedo para se deixar.
Agora serás um eterno palerma se permaneceres sentado no mesmo lugar, lugar esse que dizes aquilatar de uma forma já vulgar.
Ser estúpido é um sinónimo tão bom para... ser inerte, parado, constantemente conformado, resignado e já disse que tudo é a mesma coisa que ser ESTÚPIDO não já?
É sempre bom terminar de forma esclarecida.
Pedro voltou assim à vida.
Se era tudo o que ele queria? Nem ele sabe. Vai atrás e depois verá, se no sítio onde está se vê melhor do que se via.

13 de novembro de 2011

Vive, vivendo

Leves elas caiem, as gotas da imensidão no pensamento.
Leves e de tão leves que são não chegam sequer a molhar.
De tão leves que são não chegam sequer a pingar.
Serão gotas na verdade?
Será que caiem mesmo, ou se cirscuncrevem à sua humilde e mínima condição de só conseguirem ser alguém quando atacam em grande grupo.
Não é assim também o homem quando brinca com as palavras?
Só é verdadeiramente alguma coisa quando combina as palavras em aglomerados e dá forma a frases, a ideias, a pensares ordenados e encadeados, que assumem formas distintas.
Somos seres amaciados por palavras, com ideias bizarras que prendemos ao pés, tumultuosos encontros de almas duras, dos quais não nos conseguimos soltar.
Mas a vida é tanto e tão mais.
A vida é feita de eternos ideais, completos ou banais, que no fundo não são mais do que tentativas tantas de acreditar no amanhã melhor que o hoje e tão bom como tantos ontens.
Vamos emobra um dia, todos sem excpeção, que levaremos nós da vida, para além de uma enorme recordação?
Levamos as gentes, as palavras, sim as palavras, e levamos imagens, cheiros, granadas aos bisbilhoteiros, e sons de uma vida inteira.
Porque a vida é feita para ser vivida e tudo o resto para ser olhado.

Olha como chove Lisboa

Há, com toda a certeza, razões e porquês para tudo o que vês.
Na verdade, tudo o que somos se baseia na tentativa frustrada que lançamos rumo ao entendimento.
Tudo. O que é o tudo? De que é feita a totalidade da matéria? De que é composta? 
Para onde se caminha quando já não se quer nada mais do que aquilo que na verdade já se tem?
E o oposto? A que categoria pertence ele?
Onde se encaixa alguém que não tem nada e que quer desesperadamente alcançar... qualquer coisa que seja?
Já não digo tudo, mas digo, qualquer coisa que seja, é mais simpático, mundano, modesto e não obedece à estúpida luta de classes a que vulgarmente se assiste no dia vai, dia vem.
Talvez ser poeta seja de facto ser mais alto.
Se para ser mais alto tenho de escrever, então não pararei de crescer.
Contudo, lá está o tudo novamente, amanheço debaixo da chuva que hoje cai e penso no que me falta?
E no que faltará então aos que de facto assumem ser e não ter nada.
Lá dizia o "outro", que "só sei que nada sei", eu por mim mesmo digo apenas que "não sei o que sabe que nada tem".
Andamos em versos descalços, caminhamos por estradas cobertas de um magma invisível que segrega a consciência dos fracos, ou simplesmente faz bolhas nos pés de quem não calça os caminhos que percorre.
Na calçada as pedras andam também elas perdidas, porque alguém as deixou assim.
Por elas passamos todos e passa de tudo um pouco e tanto mais.
E o que têm as que não têm a sorte de formar composições gráficas embelezadas, a que alguém ousou chamar de calçada portuguesa?
Todas as outras que vivem de uma só cor e são erigidas às três pancadas, mais não são que um aglomerado de pedras soltas, que tantas vezes nem se chegam a tocar.
Lá fora rebentam granadas temporais, cavilhas soltas ao desbarato, por uma natureza enfurecida que tem a ousadia de fazer soar os alarmes dos carros, que acordam os vizinhos, que resmungam contra o tempo, lá está a luta de classes.
O tempo é o que é e faz o que faz, e quem nos julgamos nós para praguejar contra os seus desígnios.
Mais uma granada para a mesa do canto, por favor. Qual? A que tem o senhor com o candeeiro e a pose de escritor altivo, de pseudo-romancista de cómoda em pé. Mais foi assim que Pessoa escreveu muitos dos seus, não é?
Deixem-no estar que ele sonha.
Ah pobre Diabo, não sabe o que diz mas sorri, se é feliz, então a vida eu lhe gabo.
Chove e molha-se a roupa, chove e enchem-se as valetas de toda a merda que corre pela cidade, chove e solta-se o grito mudo dos céus arroxeados, carregados de uma frustração perene, de uma luta, que não de classes, que não é só deles.
Como cheira a terra.
Como a luz é pouca, mas vive em liberdade.
Deixa-te estar na cama Lisboa, é cedo, e quanto a nós, já te chega a tua própria infelicidade.
E o que é de mim que estou para aqui a chatear-te?!
Pouco mais tenho a fazer, resta-me contigo falar.
Se não for contigo, aos outros não sei o que digo, mais vale aproveitar.
Dorme bem pequena.
Que agora vou-me eu deitar.
Daqui a pouco estou de volta e tu, estarás sempre no teu lugar.

 

12 de novembro de 2011

Schiuuu... Deixa-me em paz!


    É então que decido calar-me, ela quase que acata o meu silêncio premeditado. Não me recordo se ela terá sequer emitido qualquer outro som nas longas, penosas e subservientes duas horas que se seguiram. 
Deve ter sido um “vai à merda” sentido e puxado do fundo da alma, ou talvez não, talvez tenha sido um “vai à merda” totalmente inofensivo e até um pouco manco numa das sílabas que os fazem caminhar até aos ouvidos, e, posteriormente, até ao sistema nervoso central que descodifica a mensagem que acaba de chegar, fresquinha, crua, bruta, e numa fracção de segundo, tão assustadoramente rápida quanto brilhante, faz o delicado favor de nos traduzir por miúdos aquelas três palavrinhas que correctamente ordenadas de modo a formarem uma frase, assumem, quando o momento é criteriosamente escolhido, claro está, o poder de um “Vai à merda!!!”, que todos nós conhecemos. Fora isso, não passará nunca de uma expressão perfeitamente vulgar e vulgarmente tomada como um factor indicativo de uma educação menos correcta, ou mesmo da total ausência da mesma.
   Ignorando completamente todas estas regras de merda, soltei um furioso “Vai à merda” com o objectivo de a mandar para o pior sítio que existisse num raio de alguns, vastos, quilómetros quadrados, com a rapidez de um pestanejar, ou melhor, tão depressa que nem o meu pensamento fosse sequer capaz de me mostrar um qualquer desses locais, onde a certas horas, nem a mais infeliz das almas com quem diária ou vulgarmente nos cruzamos, gostaria de estar a assobiar, por um amanhã melhor do que o dia que simplesmente já se começa a tornar grande de mais para tanta merda. 
    Sim, eu sou um "qualquer coisa" perturbado que gosta de repetir com bastante frequência, e do modo mais deselegante possível a palavra merda, se não for estar a atribuir demasiada importância ao chamado palavrão, que para mim nem palavra é.
No entanto, para mim existe um sem número de coisas que o são, e que nunca o deveriam ter sido. Mas não adianta atalhar por esse caminho novamente, lá estás tu a ser fintado pelo previsível fio condutor do teu pensamento audacioso, mas monótono.
- Dás-me um cigarro por favor? - diz ela rompendo o silêncio tão saudável.
- Sabes bem que deixei de fumar!
- Pfff. Pensei que isso tinha sido mais um acto desesperado e pretensioso, daqueles que tanto gostas aos domingos de madrugada, de preferência quando chove, pois a carga dramática das tuas palavras assume sempre um especial relevo quando chove, nesses dias, vai se te o sono e não sabes mais o que hás-de fazer, para mudar a triste figura que adquires quando chove.
- Estão na primeira gaveta da cómoda da sala.
- Obrigado.
- Não me perguntas se quero beber alguma coisa?
- Sabes onde estão as coisas, vai ao armário, serve-te, bebe e desaparece. Hoje é Domingo!
E o rugir daquela frase ecoou tão alto, de uma forma tão incrivelmente forte e decidida, que até a mim me surpreendeu. 
    Devo confessar que não me deixo surpreender com facilidade.
Chega a ser deveras incomodativa a capacidade que tenho de me manter impenetrável, nas mais diversas situações em que o mais comum dos mortais se choca, impressiona, entristece, revolta, chora, berra, ou parte objectos comprados com o suor do seu estúpido trabalho.
O mesmo se aplica para quando essa besta resolve esmurrar uma parede, ou um qualquer objecto inanimado que não tenha a legítima possibilidade de protestar ou de se defender contra a injustiça de que está naquele momento a ser vítima, a não ser que consiga provocar em quem revoltadamente o agride, alguma mazela de ordem física que ainda o fará sentir-se pior, mais revoltado, mais desesperado, mais triste, mais chocado com a dimensão exacta, cabalmente demonstrada, da sua estupidez! 
    Bater numa parede, numa árvore, num móvel, acaba sempre por sair mais caro do que o instinto agressivo nos consegue demonstrar. Quem tem a infelicidade de o fazer acaba sempre por guardar uma recordação física do momento de glória em que corajosamente encheram o peito de ar, cerraram um dos punhos e com a plenitude das forças que conseguiram reunir naquele momento, avançaram para o dito objecto inanimado como se não houvesse amanhã. Resultado final? Acabarão sem dúvida sentados no sofázinho da sala, olhando para a televisão com carinha de sofrimento próprio de quem é estúpido que nem uma porta, com um saco de gelo sobre a mão, que a mamã, a companheira ou companheiro, ou mesmo a avózinha, fizeram questão de preparar, para que o menino não ficasse com um hematoma gigantesco na mão, qualquer coisa semelhante a um tubérculo transmontano de cor arroxeada, ou a um fenómeno vegetal do Entroncamento.
   Senhor Pessoa, como está? Tudo bem?
Agora ouça-me bem. As cartas de amor não são ridículas, isto sim é ridículo, seres humanos a esmurrar paredes ou árvores com 200 anos, com o moralismo incomparável e inabalável de quem, pela primeira vez se está a dirigir a uma praia de nudistas. 
   Por certo estarão a pensar, mas quem é que consegue ter moral elevada na primeira vez que vai a uma praia de nudistas?! Deixem-me que vos diga, que quem não tem essa mesma moral elevada na sua primeira visita, das duas uma, ou nunca mais lá volta com vergonha de ser reconhecido, ou nunca mais de lá vem, com medo de ser visto no caminho de regresso a casa. 
    Estou farto de pensar, vou até à cozinha beber qualquer coisa. 
Adoro estes momentos únicos em que me posso sentar sozinho na sala a beber um copo, eu e o meu Domingo.
    E assim faz, levanta-se, calça um dos chinelos, porque nem sequer tem paciência para apanhar o par, entristecido e abandonado debaixo do armário de pinho envernizado que herdou do seu avô, e que serve tantas vezes como tema de conversa de circunstância, com um qualquer transeunte que nada tem a dizer sobre a vida, que nem sequer ao menos imagina que a vive. Passa por ela, nem ao menos a vislumbra, mas sente-a, isso sim, sente-a. Ela indigna-se com o facto de ele passar e nem reagir á sua presença e suspira. Ele sorri com ar de gozo, isto é, sorri mas insultando a sua previsibilidade.
    Regressa da cozinha, descalça o chinelo, apaga a televisão, corre os cortinados para melhor observar a lua, e deixa-se abraçar pela doce companhia do seu Domingo, o que a deixa incomodada. 
Dá o primeiro de muitos goles no seu copo preferido, que contém a sua bebida preferida, uísque barato, incoerências de um minimalista existencial.
    Levanta-se, abre uma das gavetas do armário de pinho, e tira um maço de tabaco, abre-o e tira um cigarro. Devolve o maço ao armário, volta a sentar-se e diz-lhe:
- Já que não me deixas em paz ao menos bebe e senta-te, mas de preferência longe de nós.
- A falta de sexo deixou-te assim foi? Anda, podemos resolver isso num instantinho... Sim porque contigo basta apenas, um instantinho. - diz ela desabotoando os dois primeiros botões da camisa e soltando lentamente os seus maravilhosos cabelos castanhos cor de avelã, abrilhantados por umas encantadoras madeixas loiras. 
    Ele olha-a pelo canto do olho, dá o segundo gole no seu copo preferido, que contém a sua bebida preferida, prepara-se para responder, quando de súbito ouve o ecoar, em jeito de som estridente que tem o seu relógio de parede, que o informa indelicadamente que já é uma hora da manhã. 
    Sente um formigueiro crescente pelo corpo, como se o ódio de mil socos numa só parede se tivesse de repente lembrado de aparecer, não lhe dando sequer tempo de se preparar, de tomar um banho, de se vestir e de esperar pela sua chegada. Levanta-se, vai direito a ela, aproxima a sua boca dos lábios dela, suave, leve, levemente e de súbito cospe-lhe para cara.
- Faz amor com isto, porca.
Ela limpa a cara, despe a camisa e vai deitar-se na cama dele.
- Sai daí.
- Porquê?
- Porque eu te estou a pedir.
- Tens de ser bem mais convincente para eu me ir embora.
- Mas porquê? Deus, porque me abandonaste? Ou melhor, a resposta a esta já eu sei. Porquê hoje?
- Porquê hoje?! Que dia melhor para ser estragado que este teu dia de recreio em que espalhas a tua melancolia pelas desprotegidas colinas da cidade de Lisboa enquanto te enfrascas da maneira mais triste possível, apoiado na estupidez fatalista que tanto te caracteriza. Se tudo isso não bastasse agarras-te a um imaginário infantil onde te dizes acompanhado por um dia da semana, claro está, o Domingo.
- Conta-me mais sobre esse trauma Domingueiro.
- Não há mais nada para dizer.
- Tens vergonha do que te atormenta?!
- Não, simplesmente não tens que saber mais nada sobre mim. Já sabes coisas a mais, e conhecendo-te como te conheço…
- Tens medo que possa usá-lo contra ti?
- Que perspicácia minha querida, adoro esses teus raros rasgos de inteligência. Duas e meia da manhã. Não tens nada para fazer amanhã? Não há nada que te faça ir embora? 
Que tenho eu de fazer para conseguir ver-me livre de ti por alguns dias? Diz-me!! Começo a ficar cansado da tua presença na minha vida.
- Tens de me dar aquilo que eu quero
- Perdi esse apetite há muito tempo atrás. E tu sabe-lo bem, estava contigo nessa mesma noite, na noite em que percebi que apenas a noite me servia. Na noite em que percebi que já não era mais do que uma estúpida recordação daquilo que um dia pude, soube e consegui ser.
- Vais começar com isso outra vez? Esse teu discurso de coitadinho e mal amado já me enerva. Mas sabes que ainda não consegui esquecer as noites e os dias em que me conseguias dar algo mais de ti do que essa triste figurinha melancólica e ultrapassada em que te tornaste. És fraco! Não mereces sequer que tenham pena de ti, ainda que me pareça que seja isso que tanto procuras, tanto com os homens como com as mulheres. Vou tomar banho.
- Desculpa?!
- Estás desculpado. Onde estão as toalhas?
Seguiu-se um silêncio invulgarmente estranho entre ambos. Um daqueles silêncios que se assemelham aos mais ruidosos momentos que qualquer um de nós se consegue recordar de já ter presenciado, por exemplo o ruído de uma claque de um clube que joga em casa e que vence o maior rival do seu país por um resultado expressivo de 3-0. Ela de pé, junto ao corredor que antecedia os quartos e a casa de banho de um 3ºandar de uma zona bonita e desejada da grande Lisboa, casa que tinham conseguido alugar 3 anos antes, na altura que ele ainda sonhava e não tinha o Domingo como refúgio desesperado de uma alma inexplicavelmente vazia. Nessa altura sim, nessa altura creio que era feliz, hoje sabe-se apenas que gosta dos Domingos e de Whisky reles como a lã de cágado.