Da invulgar solidão nocturna se criam laços com a individualidade.
Passo tempo sozinho, passo até muito tempo sozinho, mas nunca estou verdadeiramente só, na medida em que estar sozinho nunca chega a ser solidão.
Só eu, tu (pensar que és meu) e eu novamente, há espaço para todos nós.
É exactamente de espaço que falo, quando na noite me calo e me escuto a murmurar.
Haverá por ventura som mais surdo e ruidoso que escutares o teu próprio sonhar?
Atinjo-o calmamente e com o olhar embevecido, vejo lá fora uma plataforma sorridente onde atraca o cargueiro das ideias, já com o casco batido.
De chaminé entupida e tripulação exausta, amarras presas à margem e chega a meio a viagem de um portador de mensagens, que na noite se enrosca.
É comum em mim, tão certo que penso que não mais me deito sem me ouvir por umas horas.
Acredita que sei, que tudo o que te dei foi bem mais do que tinha...
Não era a mim que o cão vinha.
E pergunto-me agora, é por isso que choras?
Não sou um vulgar pensador, que se alimenta de amor e de sonhos vazios.
Sou homem sim senhor, que sabe bem o que é dor, o que é ter frio no verão.
É estranha a sensação, não digo o contrário, mas nem por isso lhe cedo e reviro o armário das imagens que guardo em mim, são elas que me pintam e me fazem assim.
São 5h00, está a rua molhada, e os homens ainda dormem.
Nem sei se dormem ou não, pouco me importa e então?!
No barco que atracou, houve algo que se soltou e não sei ao certo o que foi.
Trouxe a tristeza encrostada, uma janela quebrada, o Mar assim a deixou.
Fui já tanto e tão pouco, há quem diga "Estás louco!", tens tanto para viver...
Respondo com os olhos a sorrir, a boca quase a abrir, vou acabar por dizer.
Talvez não esta noite, talvez não tenha de ser.
É melhor nem parar, a estrada é feita para andar, não há nada a fazer.
E tanto, mas tanto quero eu escrever.
Escrevo o que me interessa, com calor e sem pressa, que a bateria não acaba.
Tenho a luz meio acesa, farol fundido do pensamento, é preciso encadear o verbo e o complemento, não me queixo mas também não tento!
Poesias à parte, que rimar é também uma arte, pela qual passo os dedos.
Sou poeta do sonho, mas também me envergonho, quando me exponho aos meus medos.
E o espaço?
Sentir falta de, querer mais, ter pouco, ter muito, não saber o que lhe fazer, nem como o preencher, tudo pecados divinais.
Pschhhiu... anda cá, onde pensas tu que vais?
Lá fora já escuto o atrevimento dos pássaros e da borracha que rola no pavimento.
É cedo, pois é, e eu ainda a pé, se bem que é sentado que caminho a esta hora, pela noite fora, à procura do desejo, que não encontro nem vejo, de ter sono e dormir.
De que me valem as ideias? Tanto, que me cozem os buracos nas meias, e as noites estão cheias de pensares que hão-de vir.
Descarregados que estão os sonhos da viagem, é tempo de zarpar, das amarras soltar e tornar a partir.
Tens o casco batido, o vidro partido e mesmo assim queres seguir...
Cargueiro do real, não estás nada mal, para a idade que tens.
Deixa lá não chores, nem tão pouco implores, amanhã sei que vens.
Tantas vezes não gosto daquilo que escrevo, não gosto, e voltarei a não gostar.
Quero o espaço, a noite e o sonho de sonhar.
Quero a sede, o sol e a noite num pensar.
Cala-te estúpido, que nem sabes mais o que vais tu pintar.
Como não sabes que palavras empregar.
Os lençóis engelhados, nas portas pendurados, não enxugam por nada.
Tens a alma encharcada, a vista desfocada e o perfume a que te cheira?
A ti.
É. Cheira e bem.
E o amanhã, que perfume será que tem?
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