22 de dezembro de 2011

20 minutos... ou nada

Quando o relógio te sai, a carteira te cai, a tua mãe não lá vai, já cá faltava o teu pai, o que é que assim te distrai.
Acordo e tomo um banho, cedo, o acordar, um pouco mais tarde do que o começo do banho.
São 06h da manhã e a rua dorme, parte dela só dormita, a outra ressona de satisfação.
Prefiro assim, não gosto de partir em dias de muita luz, é sinal de muita gente acordada, cara toda amassada, noite complicada... Gosto bem mais de desaparecer no escuro. Como o ladrão que caça na noite, evitando os candeeiros, jogando entre as sombras das ruas. Qual predador, explora, fareja, sente e conhece o terreno, mistura-se e torna-se parte do mesmo, até ninguém o estranhar.
É rápido na sedução. 
Assim é rápida a despedida.
Ninguém para magoar.
Nenhum olhar para trocar ou palavras a desperdiçar.
Vamos embora.
Continuam a ser 06h da manhã.
Ele sai de casa.
Café em copo de plástico, mochila nas costas, algum dinheiro no bolso, algum dinheiro guardado, sem previsão de regresso.
Máquina fotográfica. Computador portátil, telefone móvel, chave de casa no esconderijo, está tudo pronto.
Arranca rua abaixo, enquanto diz bom dia aos carris do eléctrico, o que vai para os Prazeres, o srº António acende a luz da casa de banho, é o 2º a estar quase pronto, e ele lá desce.
Agora já são 06h da manhã. Porque eu quero.
Só agora o relógio começou a contar, o que confere ao rapaz cerca de 20 minutos de tempo congelado que pode usar em seu favor. E como?
Pára o relógio e tudo à sua volta se passa a centrar no seu pensamento, tudo acontece à velocidade que ele acha que as coisas podem e devem acontecer. Durante 20 minutos.
Pára tudo!
Encosta-se a uma paragem de autocarro, não está a perceber bem a coisa. 
Tudo à volta dele se mexe, tudo se desenrola, mas basta um pensamento e a mulher recua na passadeira, o carro vira à esquerda e não à direita, o homem levanta 60 € em vez de 120 €, tudo em minutos que parecem não ter fim. Pode pedir o que quiser, desde que não seja um bem material.
O que fazias se tivesses 20 minutos de avanço, criados para poderes passar por eles, como quisesses, à velocidade que quisesses e recolhesses tudo o que te interessasse, que não bens materiais?
Tal pergunta me desce à mente, em vésperas de Natal, época tendenciosamente dispendiosa e desmedida.
O que faria eu com 20 minutos a mais?
Talvez fosse tão depressa quanto a velocidade me pudesse acompanhar.
Talvez caminhasse descalço só para sentir o chão que me pede para o pisar.
Talvez quisesse ser mais do que estavam a deixar.
Talvez até não quisesses sair do mesmo lugar.
Quanta vida cabe em 20 minutos?
De tudo o que já viveste, o que escolhias para 20 minutos mais?
É uma pergunta pertinente numa época em que todos os minutos parecem inequivocamente interligados que nem dás pela sua desmultiplicação sucessiva e enraivecida.
É o tormento dos dias em que vivemos a competir e a colaborar com máquinas cada vez mais eficazes e precisas e menos dispendiosas, e temos de dar sempre mais e mais e o dobro, e agora tiram-nos coisas que até aqui eram tidas como inalienáveis, e nem damos pelo tempo a passar.
Já é Natal novamente. Já é Natal, e o que para trás ficou... a bem ou a mal... já passou.
Não é uma canção de vanglória imortal, é a súbita consciência de que já é novamente Natal, e o que para trás passou, a bem ou a mal, passou, ficou, serenou, evoluiu, partiu.
Perante a pergunta colocada não há resposta precisa, correcta ou aproximada da verdade.
O que são 20 minutos?
Transforme-se 20 minutos em emails, cafés, piadas, caminhadas, pausas, telefonemas, sandes, cigarros, conversas, viagens de, viagens para, pesquisas, sms, idas à casa de banho, copos, amores, desamores, amantes, amadas, romances, caminhos vizinhos, labirintos distintos, tequillas, vodkas e absintos, ai os pés que não os sinto.
Tanto cabe em 20 minutos e tão pouco ao mesmo tempo.
E o benemérito pensa, porra, não é justo ter 20 minutos mais do que todos os restantes.. vou doá-los. E logo o vigarista se aproveita e diz, então vou vender os meus 20 e começar a comprar e vender minutos, num instante faço negócio.
Tudo em redor de uns míseros 20 minutos.
E garanto que haveriam de começar guerras por toda a parte pelo controle dos 20 minutos extra.
Em 20 minutos se faz muita coisa.
Sugiro uma experiência. Liguem o alarme no telemóvel e programem-no para 20 minutos depois estar a tocar o Bryan Adams, a Shakira, o Tony Carreira, a Beyoncé, ou o Sai da frente Guedes, mas indo ao que interessa, durante esses 20 minutos, que podem ser num qualquer ponto do globo à vossa escolha, interior, exterior, subterrâneo, aquático, vejam o que vos é possível fazer e registem.
No final, recordem o que fizeram e vejam o que podiam ter feito, de preferência gravem isto em vídeo.
Vão poder fazer uma experiência fantástica, que eu próprio nunca fiz, mas achei engraçado vir para aqui falar como se fosse um tipo muito experimentado nestas coisas da ciência interpessoal.
Estão a pensar nos 20 minutos.
Eu estou. Há mais de 20 minutos.
E ele entra no eléctrico, e vai tudo ainda meio a dormitar, e ele já leva 20' de avanço, não tem com que se preocupar, chegará com certeza ao trabalho, bem antes, 20 minutos antes de ter de chegar para trabalhar.
Passa no Jardim da Estrela, sobe em direcção à Ferreira Borges e faz uma vírgula à Ronaldo para dentro, de pé direito e ao fundo está o cemitério dos Prazeres. E ele?
Bolas, perdi-o, deve-me ter saltado fora do eléctrico na Estrela.
Desço a rua a correr, vejo-lhe o casaco, mas já não o vejo a ele, batem-se portas de carros, palmas, asas de pombos, batem dois carros, trina o eléctrico, e ao longe grita-se dentro do jardim.
Quanto tempo terá passado? Cinco, seis, no máximo 8 minutos. Faltam 12.
Onde foi, o que terá em mente.
Grita-se com mais força, estou mais perto.
Está um sem abrigo deitado despido, morto e ferido, com um sapato calçado e outro, desaparecido, nariz esfolado, sobrolho rasgado, quem terá este chateado? Não te distraias, onde vai o miúdo?
Está ali, já o vejo.
Olha para o relógio, já chamou a polícia, acelera o passo. Só lhe restam 10. Pára. Olha-me e diz que não sabe o que fazer, que tem mais 10 minutos e não sabe o que fazer.
E eu, onde já vão os meus 20 minutos?
Já passei por eles e estou apenas sentado a escrever a pensar, a imaginar e a dobrar a realidade, e passaram três vezes os malditos 20 minutos, sozinho, em casa, sem abrir a boca.
E os dele? Recompõe-se, cerra o punho, avança decidido, senta-se num banco, acende um cigarro, fuma pouco, mas quando está nervoso tem de ser. Pensa, pensa, e já só faltam 6, e encosta-se, perna traçada e delibera: "Nem saio daqui sequer. É só esperar que passem."
E esses 6 minutos sentados, tornam-se pesados, vagarosos, silenciosos, surdos, mudos, cegos, lentos, muito, muito lentos, e toca o telefone.
A expressão é de consternação e desilusão pessoal.
Porquê se foi a escolha que fez?
Porque no final dos 6 minutos, pensou que podia ter feito tanto mais, que 6 minutos davam para tanta coisa. Para pegar no telefone, e ter ligado a pelo menos 6 pessoas.
Esta podia ser uma história que tem tanto de estúpida como de real, não a palhaçada dos minutos, mas a escolha, a não escolha, a decisão e o arrependimento.
Está na tomada de opções o fruto do encarreirar no caminho.
São passos cegos tantas vezes, mas temos de os dar, e descalços de preferência.
Repetia muito do que vivi, ou era para lá que partia, mas não escolhia nunca para agora aquilo que já passei, pois tudo perderia assim o imenso valor que lhe dei, perderia assim a imagem que do tempo resultou.
É Natal outra vez.
E do tempo que passou o que se fez?
Encheram-se noites de porquês, conversas a dois, a três, conversas sem conversa de todo.
E eis que chegamos onde nos encontramos. Com os mesmos minutos com que começámos.
E em que é que falhámos? Onde foi que errámos? Vale a pena olhar para a trás, mas de cima para baixo. Ninguém gosta de ver o fundo ao tacho.
O ano chega ao fim, e já o outro está prontinho para arrancar, casas de banho lavadas, estradas alcatroadas, dívida acumulada, tudo em ordem, e vamos embora a despachar com isto.
Ainda a pensar nos 20 minutos?
Faz a experiência.
Ele não chegou a sair de casa, não bebeu o café nem falou com os carris, da rua meio adormecida com outra metade que ressonava de satisfação.
Adormeceu. Não ouviu o despertador. Tomou já banho de raspão, deu uma trinca a uma metade de pão, meteu o iogurte na outra mão e saiu, já tarde, 20 minutos depois da hora.
Vai chegar atrasado.
20 minutos, é assim tanto?

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