10 de março de 2010

Quantas formas tens tu ó Liberdade?

De noite e só de noite, Miguel gosta de sorrir. Todos lhe reconhecem a estranheza da personalidade, mas nenhum a qualifica como ruim ou maldosa.
Miguel é gentil, é amavel, cavalheiro, educado.
È sério, mas não é sisudo, tem um apurado sentido de humor, mas simplesmente só gosta de sorrir à noite.
Que mal tem isso?
Segundo muitos, tanto. Segundo eu, nenhum.
Miguel tem todas as condições naturais e apreendidas, de uma pessoa fantástica, mas não sorri.
Durante o dia não consegue sorrir. Não se trata de não gostar das pessoas com quem lida, de não as prezar e estimar, mas o mais comum dos coniventes, com a situação em que vive o nosso mundo, dirá o contrário.
Dirá, nas costas de Miguel, sem que este o ouça, talvez por achar que dizer mal de Miguel, é, no seu todo, uma ideia ridícula, na medida em que a única coisa que tem para lhe apontar, é que ele não sorri de dia.
Quem pode ser tão turvo, tão ofuscado como o condutor adormecido, que abre os olhos para os fáróis que vê a 200 metros, mas que imagina estarem a 10, e guinam o carro para o vazio, quando ainda tinham tanto tempo, mas também ele, cometeu um erro crasso, o de julgar. Julgar mal.
Ora se eles são livres por o julgarem, tanto o Miguel como eu próprio, somos livres, de os contrariar, e acima de tudo de os ridicularizar em público, mas de forma estupidamente educada.
Pois bem. Acontece que o sentido de humor de Miguel, era extremamente afinado, e estava calibrado com uma dose tão suave de veneno, que anestesiava com gargalhadas mansas, os ouvidos de quem o escutava e se perdia de riso, tudo isto sem que Miguel mexesse mais do que dois músculos da face.
Os seus amigos elegia-no como o mais temível dos troçistas, o mais audaz dos gozões, o mais inteligente dos parvos, mas Miguel, não era mais do que um gajo, que tenta ser ele próprio, agir de acordo com tudo em que acredita, vive de acordo com tudo aquilo que aprendeu, trasnportando as regras, os valores, os deveres, para o quotidiano.
Miguel luta diariamente contra tudo o que o impele a não ser Miguel, a não ter a sua forma, a ser outro, que não o portador do seu código genético.
Mas isso, não afecta em nada os deveres a que está obrigado.
Miguel é exemplar, é magistral na sua profissão, é visto como um exemplo, age como se estivesse sempre no mesmo local, acompanhado por todas as pessoas que conhece, como se estivesse sempre rodeado daqueles que mais gosta, e conseguisse contagiá-los a todos da mesma forma, com a mesma simplicidade dos actos que aqui descrevo.
Esse é o objectivo que traçou para o seu existir na triste realidade que hoje enfrentamos.
Empregos precários, despedimentos colectivos, trabalhos temporários, reformas miseráveis, trabalhar até aos 120 anos, empréstimos sucessivos, já mencionei os trabalhos temporários? ok, trabalhos temporários, não querendo parecer exaustivo, mas é de facto um iten indispensável a esta lista.
As pessoas deixam diariamente de ser quem são, para serem apenas mais uma pessoa, mais uma parcela de uma tarte gigantesca, com centenas de Kilómetros de diâmetro. Deixamos de ser o que queremos ser, para passarmos a ser aquilos que os outros querem que sejamos, para pensarmos como os outros querem que pensêmos, depois em casa, entorna-se tudo, porque as personalidades frustradas, tentam ou não, inverter a situação, e o extremismo nunca dá resultados positivos.
Miguel é o mais feliz de todos os seres humanos com quem coahabita e coexiste na sua vida, é como quer ser, age como acha que deve agir, pensa pela sua própria cabeça, e sorri de noite.
Porquê? Porque de noite, consegue achar graça a tudo o que viu os outros fazer durante o dia.
Às histórias que ouviu, às discussões a que assistiu, aos mexericos que conheceu, aos conselhos que um deles lhe deu, tudo é extraordinariamente engraçado à noite. Não é Miguel? É que à noite, ele tem mesmo de estar bem disposto, pois só isso o permite ter uma vontade enorme de acordar no dia seguinte, para ter de ver mais do mesmo, e permanecer livre. Acredita que se conseguir fazer com que, as pessoas que lhe são mais chegadas, pensem como ele, a coisa pode melhorar, porque quem assume esta atitude perante a vida, tende a conseguir fazer-se ouvir, e muitas vezes bem mais do que isso, consegue fazer-se repwtir
Pelo menos, é livre. Como?
Em todas as formas de liberdade que se possam procurar. Miguel, é o primeiro nome no seu cartão de cidadão, mas também é o nome que salta dos seus olhos, é um nome que quem pronúncia, sabe perfeitamente aquilo que em primeiro lhe surge no pensamento, quando pensa em Miguel.
Um sorriso. Um sorriso nos lábios, é o que acontece a quem pensa em Miguel. Curioso não é?
Em especial, porque a maioria daqueles que sorriem quando pensam em Miguel, sejam homens ou mulheres, são aqueles que, que queiram quer não, nunca o viram sorrir.
Estranhas as variadas faces, as múltiplas formas de se viver em liberdade.

1 comentário:

Susana disse...

Este texto sobre a liberdade está muito bom. A liberdade não é só uma palavra, tem um impacto muito grande nas nossas relações e na nossa vida interior. Liberdade é também podermos errar, porque no fundo o nosso caminho é trilhado por cada um de nós na solidão dos nossos corações. Por isso Miguel se sentia livre de ser tímido e vivia as suas emoções como queria. Isso é bonito, quando apesar de não sorrir a pessoa transparece serenidade e alegria. Beijinhos Susana Martins