23 de setembro de 2013

Pequeno ensaio sobre a... pequenez!

Alto mas não muito, Miguel é o tipo de pessoa que deseja ardentemente deixar de ser.
Magro mas não tanto, come mal e dorme pior, passa as noites acordado e os dias envolto numa profunda e funesta letargia que torna cada vez mais complicado distinguir entre os sonhos que tem e o mundo que conhece.

Tem noites em que acorda e julga que o que estava a sonhar é o real e o real confunde-o, em jeito de embriaguez, com os sonhos que tem.
Miguel vive e dorme sozinho, come e acorda de igual forma.
Arrasta-se para o trabalho.
No Metro não cruza ou descruza o olhar com absolutamente ninguém, vai de auscultadores nos ouvidos e de olhos semicerrados que têm como finalidade afastar seja quem for.
Tem pavor a qualquer forma de sociabilização por mais primária e inocente que seja.
É avesso a toda a espécie de convívios que não sejam tidos e mantidos sentado, deitado, em pé ou encostado, atrás de um ecrã e de um teclado.

Vive petrificado com medo de se apaixonar.

Na verdade chega a sentir-se irremediavelmente frustrado e intimamente amargurado por nunca se ter deliciado ou sequer tocado numa mulher.
Por nunca ter sentido o bafo quente e ofegante da luxúria feminina na jugular, por nunca ter tido as costas arranhadas por uma ou mesmo as duas mãos cheias de unhas pintadas.
Não sonha, pois nunca chega a perceber se dorme.
Não lê assim muito nem sai assim tanto.
Tem 28 anos e é órfão desde os 17, altura em que sozinho conheceu a força bruta da injustiça de uma vida.
Trabalha num centro comercial.
Secção de fruta e legumes de um conhecido hipermercado.

É aquele tipo de homem que só é reconhecido porque tem uma placa no peito que o identifica e, mesmo essa, já deixou teimosamente fugir a tinta e Miguel é agora MI UEL.
Não alimenta o sonho de casar, não ambiciona tamanho feito nem tão pouco se julga capaz de o alcançar. O forte de Miguel não é, não foi, nem será o acreditar.
Nem mesmo dentro do azul vivo e trepidante dos seus olhos entristecidos e conformados se acende a ilusão e o sonho do matrimónio.

Come sobretudo empacotados e congelados.
Entretém-se na internet e nem sequer tem uma televisão no apartamento, não lhe faz falta, diz, não quer saber de nada nem ninguém.
Vive perdido e não quer ser encontrado.
A exclusão é parte da equação.
A solidão espreita-o por entre o cortinado e Miguel já foi por Ela contratado.

Vai ser despedido do hipermercado.
Sozinho, isolado, despedido e... desesperado.
Será este o retrato moderno do homem abandonado? Será este arrastar de vida, vida para alguém?  Vivem-se tempos estranhos na verdade, muito estranhos e as pessoas acompanham cada vez mais a estranheza dos tempos! Para onde caminhamos?
Dizia, já não sei a quem, num destes dias, que tenho curiosidade em saber como vai ser o mundo daqui por 20 anos.
Isto porque não é mais o Homem que dita o avanço da vida mas a tecnologia que permite e controla o avanço do Homem.
Senhor Darwin, que lhe parece a si tudo isto? Hein?
Será lívida e eterna a insensatez? Tudo, e ao mesmo tempo tanto se assemelha ao eterno dilema da humana pequenez.
Queres que diga outra vez?

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